Josias de Souza

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Opinião

Lula e Petro rodam em torno de um nada que já ultrapassa tudo

Lula e Gustavo Petro tentaram de tudo para dissolver a crise venezuelana. Mas tudo não quis nada com os presidentes do Brasil e da Colômbia. A despeito disso, os dois reiteraram em nota divulgada na noite deste sábado que "continuam a aguardar a divulgação das atas desagregadas por seção de votação" do pleito de 28 de julho.

A dupla demora a perceber que, de onde menos se espera, é que não sai nada mesmo. O texto do comunicado conjunto afirma que "Brasil e Colômbia tomam nota da decisão do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela sobre o processo eleitoral." Controlada por Nicolás Maduro, a Corte avalizou a fraude. E proibiu a divulgação dos boletins eleitorais. Nesse contexto, esperar alguma coisa do nada é a modalidade mais inútil de esperança.

Brasil e Colômbia realçaram que foram avalistas do acordo de Barbados, que incluía a utópica suposição de que o ditador promoveria eleições limpas. Abstiveram-se de lembar que não denunciaram a tempo a violação do trato. O texto não menciona, por constrangedores, os esforços empreendidos para contornar o caos. Isso inclui o balão de ensaio da anistia para os crimes de Maduro. E a fantasia do tira-teima de uma nova eleição.

Alheios à declaração de Maduro de que reprimirá com "punho de ferro" as manifestações pacíficas de um eleitorado garfado, Lula e Petro utilizaram no comunicado um linguajar de punhos de renda. O texto anota que "os dois presidentes conclamam todos os envolvidos a evitar recorrer a atos de violência e à repressão." A existência de mais de duas dezenas de mortos e de algo como 2.400 presos tranforma a conclamação num flerte com o ridículo.

Lula e Petro proclamaram que "mantêm abertos seus canais de comunicação com as partes". Repisaram a "disposição de facilitar o entendimento". É como se ainda enxergassem luz no fim de um túnel onde não há senão o clarão das balas disparadas pelo aparato repressor de Maduro.

A ausência de alternativas imposta pela fraude de Maduro clarifica as mentes. Está entendido que Brasil e Colômbia, embora não reconheçam a vitória de Maduro, equipam-se para absorver a fraude. Ainda que se admita que o rompimento de relações diplomáticas com a Venezuela seria uma tolice, brasileiros e colombiamos seriam privados do constrangimento se Lula e Petro desistissem de esperar.

Na prática, a reiteração do apelo para a divulgação das atas que Maduro escondeu é coisa de quem espera muito sabendo que pode esperar pouco. A posse do ditador no seu terceiro e ilegítimo mandato está marcada para janeiro. A sociedade da Venezuela já notou que, no momento, a esperança é a última que mata... de fome e de desespero.

Lula e Petro rodam em torno de um nada que já ultrapassa tudo. O fato de negarem os fatos não faz com que a realidade desapareça. O flagelo da diáspora venezuelana, maior tragédia humanitária da história do continente, será potencializado.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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