Conteúdo publicado há 2 meses

Kamala X Trump: Colunistas do UOL opinam sobre quem ganhou debate nos EUA

O primeiro debate entre a candidata Kamala Harris e Donald Trump foi marcado por uma postura irônica de democrata, que irritou o adversário, enquanto o republicano recorreu a teorias da conspiração e foi constantemente corrigido pelos mediadores.

Na avaliação de colunistas do UOL, Kamala venceu o debate, mas com ressalvas. Veja a análise dos jornalistas:

Amanda Cotrim

Em um debate considerado por muitos analistas políticos como decisivo para as eleições presidenciais, que ocorrem no dia 5 de novembro, vimos a democrata Kamala Harris enfrentar pela primeira vez, ao vivo, o rival republicano Donald Trump, que, sem apresentar dados, descredibilizou informações do FBI e se fixou em atacar e criminalizar a imigração.

Sem apresentar propostas concretas para os estadunidenses, o candidato republicano parece ter confiado no estilo que "todos já conhecem", o qual permite que os interlocutores entendam o que está em jogo sem que isso precise ser dito de fato. Assim, Trump falou, falou, sem dizer; repetindo ataques generalistas, às vezes debochado, numa posição quase desengajada. Sua tática, contudo, apesar de conhecida, não deixa de ter sua eficácia: confundir para não precisar esclarecer.

Com a lógica de produzir medo, filtrado por uma retórica que constrói um monstro (o imigrante), temer é uma consequência "natural" que funciona muito bem em uma sociedade cada vez mais paranoica. Nesse jogo retórico, Trump conseguiu reforçar seu espaço entre os convencidos e talvez tenha seduzido os indecisos mais medrosos.

Andreza Matais

Kamala Harris ganhou o debate por discursar para os eleitores indecisos. A candidata aproveitou a oportunidade para dizer que vários aliados de Donald Trump a estão apoiando e estendeu a mão para quem mais quiser fazer esse caminho. "É hora de virar a página. Tem um lugar na nossa campanha para você. Para acabar com o caos", disse. "Pessoas que trabalharam com o senhor disseram que o senhor é uma desgraça", atestou.

Donald Trump perdeu por falar para a sua bolha, demonstrar que não tem planos e que irá governar com sua experiência.

Repetiu o discurso do nós contra eles e não citou o nome de Kamala uma única vez. Se referiu o tempo todo à adversária como "ela", enquanto chamava Joe Biden pelo nome.

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"Ela" aproveitou para expor o machismo do adversário: "O senhor não está concorrendo com Biden, está concorrendo comigo."

Jamil Chade

Ao entrar no local do debate, Kamala Harris cruzou o palco e fez questão de ir até o rival. Ali, deixou claro que ela não iria hesitar. Em apenas quatro minutos, Donald Trump deixou de ser um candidato sério para dar sinais de irritação.

Ao colocar o republicano na defensiva logo de início, ela o manteve nesta posição ao longo de 90 minutos.

Harris desmontou a estratégia de Trump de tentar vincular sua candidatura à gestão de Joe Biden. Mas, para além do afastamento em relação ao atual presidente, a democrata foi hábil suficiente para não usar suas respostas para defender o atual presidente. Biden não é popular e trazê-lo ao debate poderia ser prejudicial aos democratas.

"Ela é Biden", declarou Trump. "Você não está concorrendo com Biden", respondeu a democrata. "Claramente eu não sou Biden e não sou Trump. Estou oferecendo nova geração de liderança ao nosso país", disse, tentando mudar o registro do debate.

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Trump, por sua vez, se mostrou irritado com as perguntas, foi desmentido em duas ocasiões e proliferou teorias conspiratórias.

Se sua estratégia era insistir que Kamala não tinha um plano de governo, foi ele quem teve de admitir que não poderia detalhar qual seria sua alternativa aos planos de saúde questionados pelos republicanos. "Eu tenho conceitos de um plano", disse, sem explicar.

Confuso em certas ocasiões, Trump disse que não tinha qualquer relação com os ataques de 6 de janeiro de 2021. Mas manteve que venceu a eleição, uma mentira.

Trump, hesitante em seu posicionamento, não respondeu se iria lutar para que a Ucrânia vença a guerra. A ausência de um compromisso com Kiev foi usada por Harris para alertar aos descendentes de ucranianos nos estados chave da eleição de que Trump não os defenderiam.

O ponto fraco de Harris foi sua defensa sobre a retirada dos EUA do Afeganistão, que de fato foi caótica e mostrou um governo fraco. Harris tampouco convenceu quando falou de Israel e Gaza, repetindo a ambiguidade de Biden sobre a guerra.

Harris tampouco deu detalhes sobre a mudança de seu posicionamento em políticas públicas e nem detalhou todas as áreas sociais. Trump, com razão, questionou o motivo pelo qual ela não adotou esses planos enquanto esteve no governo.

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Mas a candidata deu sinalizações de que vai criar, para a fase final da corrida, um contraste entre ela (com um discurso de esperança - e um homem de quase 80, ressentido, irritado e falando apenas sobre o passado.

Por isso, e por uma margem modesta, Harris saiu como vencedora deste debate.

Josias de Souza

Kamala Harris produziu uma mágica. Vice de Joe Biden, um presidente impopular, ela se apresentou como uma espécie de mudança dentro da continuidade. Foi como se tirasse uma cartola de dentro do coelho. Com um desempenho de mostruário, Kamala venceu o debate. Mas ainda pode perder a eleição para Trump.

Bem ensaiada, Kamala desviou dos principais torpedos do arsenal de Trump, como inflação e imigração. Fez acenos vagos à classe média. Grudou em Trump três pechas tóxicas: inimigo da democracia, benfeitor dos ricos e malfeitor das mulheres. Esfregou na face do rival a invasão do Capitólio e o cerceamento do direito ao aborto, algo caro ao cidadão americano.

Leonardo Sakamoto

Kamala Harris venceu Donald Trump no debate —aliás, festejar que ela foi melhor do que Joe "Sonolento" Biden, como fizeram alguns líderes democratas, chega a ser ofensivo para ela.

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Mas não foi pelo nocaute. Ainda é cedo, portanto, para afirmar se a performance da candidata se traduzirá em votos onde eles são mais necessários, ou seja, entre os indecisos nos estados-pêndulo, que ora escolhem republicanos, ora democratas.

A questão não é julgar o desempenho de Harris sob a ótica de quem vive nos condados progressistas de Nova York ou da Califónia —não serve para nada ela ter convencido gente nesses locais a votar, porque nos Estados Unidos não vence quem tem mais voto nacionalmente. Mas se colocar no lugar dos eleitores dos estados-chave.

Harris tentou fustigar contra Trump grupos sociais nesses estados, como os poloneses e os ucranianos, mas que são poucos numericamente. Há mais gente irritada com o governo do qual ela faz parte, pelo apoio que ele deu a Benjamin Netanyahu em seu massacre em Gaza, mesmo que, agora, ela tenha evitado tomar partido.

Apesar de cair nas armadilhas de Harris, Trump conseguiu explorar duas mentiras relevantes: a dos imigrantes como causa do desemprego e da violência, e a de que Biden e Harris destruíram a economia. Não importa que sejam alegações falsas, importa como isso vai colar. Até porque a quantidade dos que assistem a um debate inteiro é infinitamente menor do que aqueles que consomem os recortes em vídeos produzidos pelos dois lados. Sim, Pablo Marçal feelings.

Raquel Landim

Um trecho do debate entre Donald Trump e Kamala Harris revela um dos principais erros do candidato republicano não só no confronto, mas também na campanha presidencial americana.

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Questionado sobre a guerra na Ucrânia, Trump critica uma suposta fraqueza na mediação do conflito pelo presidente Joe Biden. E ataca:

"Onde está o presidente? Eles o escondem o tempo todo",

Em sua réplica, Kamala afirma:

"O senhor não está concorrendo com Biden, é comigo".

Obviamente Kamala é a vice-presidente, tem que responder pelos fracassos e sucessos do governo Biden, e a situação não está fácil. Os Estados Unidos enfrentam uma inflação persistente e duas guerras muito sensíveis: Ucrânia e Israel.

Só que os democratas trocaram o candidato quando Biden desistiu de tentar a reeleição. E Trump não vira o disco: continua insistindo que é o mais forte, corajoso e viril para liderar os Estados Unidos.

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Se o discurso colava num confronto com um Biden confuso e debilitado pela idade, ficou patético diante de Kamala. Trump tem 78 anos, Kamala, 59 anos.

A democrata estava evidentemente bem treinada. Ela forçou um aperto de mão logo no início do debate, uma civilidade que Trump recusava desde Hillary Clinton - afinal faz parte de seu personagem.

Enquanto Trump evitava olhar para a adversária, ela aproveitava as divisões de tela para encará-lo e para um riso debochado. Conseguiu colocar o republicano como um extremista maluco de uma forma que nem Biden, nem Hillary Clinton, alcançaram.

Ronilso Pacheco

Não parece haver dúvidas de que Kamala Harris se saiu muito melhor no debate. Respostas mais consistentes, propostas mais claras e apresentando propostas. Donald Trump por diversas vezes ficou acuado, sobretudo nas duas questões finais, que abordavam raça e sobre o Obamacare.

Além de não ter nada a dizer, Trump tergiversou com sua proposta que nem ele mesmo soube dizer como era, porque ele ainda estava "estudando". Kamala usou o seu dom de enquadrar debatedores, ao lembrar Donald Trump de que ele não estava concorrendo mais com Biden, mas com ela, todas as vezes que ele atacou o presidente.

Kamala patinou levemente nas abordagens sobre imigração, economia e na pergunta sobre suas mudanças de posições. Mas, mesmo aqui, ela o fez enfrentando a pergunta. Trump recorreu insistentemente ao discurso do medo, sobretudo dos imigrantes. Num estilo "esticar a corda", ele continuou mentindo várias vezes, inventou dados, números, como sempre.

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Mesmo que a imigração seja uma das principais questões para os americanos, a abordagem xenófoba de Trump ("eles não falam nem inglês direito e querem votar") é assustadora até para seus apoiadores. Kamala fez um debate primoroso, sério, coerente, e poderia ter sido ainda mais ofensiva se quisesse.

Tixa News

Kamala abalou tão fortemente Donald Trump, que o ex-presidente só conseguiu voltar para o debate quando começou a atacar o Biden. Pena, para o Trump, que Biden estava em casa vendo Kamala participar do debate e não concorrendo.

Ela não deixou nada de fora e a irritação de Trump começou quando ela disse que as pessoas ficavam entediadas em seus comícios. Ela ainda falou do 6 de janeiro, destacou como líderes da China, Coreia do Norte e Rússia querem eleger Trump porque ele seria fácil de manipular. Falou que Trump é um criminoso condenado. Que ele ganhou uma fortuna do pai. E passou o debate fazendo caras e bocas e olhando diretamente para Trump.

Sobre propostas para a economia e inflação pouco se falou e era um dos assuntos que os americanos mais queriam ouvir. Trump quase não falou do que propõe.

No discurso final, Kamala falou de suas propostas para a economia, dos militares, do aborto e que fará um governo do futuro e será uma presidente para todos os americanos. Já a estratégia de Trump foi falar mal da Kamala e dizer que ela não fará nada do que disse no discurso porque ela já está há três anos na Casa Branca e não fez nada até agora. Além disso, ele lançou que vamos ter uma Terceira Guerra Mundial.

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Local do debate não foi escolhido por acaso

Debate foi realizado na Pensilvânia. A escolha do local não é por acaso: a Pensilvânia é um estado roxo, ou seja, varia quem escolhe nas eleições, elegendo tanto republicanos quanto democratas, geralmente por margens acirradas. Por isso, os estados recebem o apelido de "roxos", pois representam a mistura entre os partidos vermelho (Republicanos) e azul (Democratas).

Alvos de disputa, microfones ficaram fechados enquanto outro candidato fala. Durante a organização do debate, Kamala Harris pediu que os microfones ficassem abertos a todo momento, mas a equipe de Donald Trump insistiu na regra para que o republicano participasse do encontro na ABC News. Historicamente, microfones sempre ficam abertos em debates entre candidatos americanos. O debate desta terça-feira foi uma exceção.

Porta-voz de campanha de Kamala avaliou que a regra protegia Trump. Em entrevista ao site Politico, Brian Fallon afirmou que "[A medida] servirá para proteger Donald Trump de trocas diretas com a vice-presidente. Suspeitamos que esta seja a principal razão para a insistência da sua campanha em microfones silenciados", opinou.

Pesquisas mostram disputa equilibrada

Nas pesquisas eleitorais publicadas na última semana, a vantagem de Kamala Harris em relação a Donald Trump teve leve queda. Em alguns casos, a democrata aparece com poucos pontos à frente do republicano. Em outros, os dois estão empatados tecnicamente.

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Pesquisas analisam voto popular e não levam em consideração o sistema de colégio eleitoral. Nos Estados Unidos, presidente e vice não são eleitos diretamente pelo voto dos cidadãos. Os eleitores, na realidade, escolhem os representantes do Colégio Eleitoral de seus respectivos estados.

Um candidato precisa conquistar 270 dos 538 representantes (delegados) para ser eleito. O número de representantes é proporcional à população e ao número de parlamentares de cada Estado. Dessa forma, o candidato que recebe a maioria dos votos populares não será necessariamente eleito.

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