Final da eleição intima PGR a denunciar Bolsonaro ao STF
O término das eleições municipais eliminou o pretexto do procurador-geral da República, Paulo Gonet, para manter na gaveta os indiciamentos da Polícia Federal contra Bolsonaro.
O chefe do Ministério Público Federal retardou o envio de denúncias contra Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal sob a alegação de que não desejava conturbar o processo eleitoral. A abertura das urnas tornou a desculpa gasta.
Repousam sob a mesa de Gonet, indiciamentos da PF no caso das joias e no episódio da falsificação de cartões de vacina. A protelação deixa a atual gestão da PGR com um aroma de Augusto Aras.
A diferença é que o antigo procurador-geral, sem vocação para procurar, simplesmente engavetava qualquer achado contra Bolsonaro. Gonet submete a gaveta a uma esdrúxula avaliação de ponderabilidade política.
O fator político não tem amparo na Constituição. Não cabe à PGR senão denunciar ou arquivar. Num instante em que o Congresso discute anistia de Bolsonaro por crimes ainda pendentes de sentença, o eventual arquivamento desafiaria a lógica e o devido processo legal.
O inquérito sobre a participação de Bolsonaro e seus cúmplices na tentativa de golpe de Estado permanece inconcluso. Malograram os planos da Polícia Federal de encerrar as investigações no primeiro semestre. A conclusão foi empurrada para uma data qualquer antes do final do ano.
Numa entrevista concedida ao Valor Econômico em 30 de setembro, a uma semana do primeiro turno das eleições municipais, o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, declarou que deseja deixar como legado de sua gestão a "total recivilizaçao" do Brasil. Algo que depende, segundo ele, da conclusão dos julgamentos das ações sobre o 8 de janeiro.
"A expectativa", disse Barroso, "é que, depois das eleições, o procurador-geral da República já tenha condições de definir o que ele quer arquivar e o que ele quer denunciar. Realçou que o 8 de janeiro se desdobrou em "muitos inquéritos". Envolvem "financiadores", "executores" e "mentores".
Instado a fornecer uma previsão, Barroso disse trabalhar com "a firme expectativa de que esses inquéritos" serão concluídos "bem antes do término da minha presidência." A Presidência de Barroso termina em setembro de 2025. O ministro fez uma ressalva: "Vai depender do Ministério Público".
Por ora, a única punição que o Judiciário impôs a Bolsonaro foi a declaração de sua inelegibilidade por oito anos pelo Tribunal Superior Eleitoral. Foi motivada pela célebre reunião com embaixadores e pelo uso político da celebração do Bicentenário da Independência. Saiu barato. E o bolsonarismo trama reverter no Congresso também o banimento do capitão das urnas até 2030.
A impunidade de Bolsonaro e dos integrantes civis e militares do alto-comando do golpe contrasta com as punições draconianas impostas aos peixes pequenos do 8 de janeiro. Muitos foram sentenciados a 17 anos de cadeia.
A "total recivilização" do país, desejo de Barroso, passa pelo enquadramente de Bolsonaro e dos cúmplices paisanos e fardados nos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e associação criminosa. A delinquência submete os investigados a penas de 28 anos de cadeia.
Numa evidência de que a sociedade está vários passos à frente da PGR e do Supremo, o refresco servido a Bolsonaro durante as eleições resultou em fiasco político. O "mito" revelou-se um cabo eleitoral mequetrefe.
No primeiro turno, Bolsonaro amargou uma derrota no Rio de Janeiro, reduto eleitoral do bolsonarismo. Fugiu dos palanques em São Paulo, transformando em limão a limonada da reeleição de Ricardo Nunes, consumada no segundo round.
Sob influência do capitão, vários bolsonaristas chegaram à fase final da disputa municipal. A grossa maioria foi, porém, derrotada. Os preferidos de Bolsonaro foram barrados nas urnas de Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia, Palmas, Fortaleza, João Pessoa, Manaus, Belém e Porto Velho.
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Quero receberA postergação das denúncias e das sentenças de Bolsonaro e dos demais mentores do golpe borrifa na atmosfera uma interrogação incômoda: Até onde a PGR e o Supremo permitirão que o melado escorra? Não está em jogo apenas o futuro de Bolsonaro, No limite, as futuras decisões dirão que tipo de instituições o Ministério Público Federal e o Supremo desejam ser.
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