Autocrítica de Tarcísio sobre câmeras da PM é cenográfica
Acossado por uma constrangedora sequência de casos de truculência policial, o governador Tarcísio de Freitas deu o braço a torcer. Afirmou nesta quinta-feira que estava "completamente errado" ao criticar a adoção de câmeras corporais por agentes da Polícia Militar. Disse estar "convencido" de que é preciso ampliar o uso do equipamento, pois ele "protege a sociedade e o policial".
Deve-se celebrar a autocrítica de Tarcísio. Mas quem não quiser fazer papel de bobo precisa constatar que a meia-volta, além de tardia, é cenográfica. O governador faz por pressão o que deixou de fazer por opção.
Em abril, a Defensoria Pública recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra o modelo de câmeras adotado sob Tarcísio. Em vez de funcionar automática e ininterruptamente, o equipamento permite o acionamento voluntário pelo próprio policial. Ou seja: filma quem quer.
Intimado a se explicar, o governo enviou ao Supremo informações que o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, considerou insatisfatórias. O ministro exigiu esclarecimentos adicionais. Termina nesta sexta-feira o prazo para a apresentação da nova resposta. Daí o recuo de Tarcísio.
Na prática, o governador incorpora na forma de um mea-culpa providências que seria obrigado a adotar por ordem judicial. A rendição chega nas pegadas de uma série de barbáries policiais documentadas em sua maioria por câmeras ambientais e pelas lentes de celulares.
A selvageria inclui a morte de um menino de 4 anos, o assassinato de um estudante de medicina, a execução com 11 tiros pelas costas de um rapaz negro que furtou sabão num mercado, o arremesso de um entregador de aplicativo do alto da ponte, a agressão a uma idosa de 63 anos. Foi como se a sociedade, exausta, dissesse para Tarcísio: "Sorria, governador, sua polícia está sendo filmada".
Governos costumam produzir os seus próprios desastres. O governo paulista incorporou à sua administração um desastre que já veio pronto. O problema tem nome e sobrenome. Observadores desatentos o chamam de Guilherme Derrite, o deputado federal bolsonarista e capitão da PM acomodado no comando da Secretaria de Segurança.
Se os críticos estivessem certos, a solução seria simples. Bastaria um golpe de esferográfica e o envio de um ato de exoneração ao Diário Oficial. Mas estão enganados.
Chama-se Tarcísio de Freitas a encrenca do governo estadual. Ele chegou ao Palácio dos Bandeirantes como solução dos 13,4 milhões de cidadãos que o elegeram. Tornou-se problema quando aceitou pagar parte da fatura pelo apadrinhamento político de Bolsonaro com a subordinação do aparato de segurança de São Paulo à lógica troglodita segundo a qual "bandido bom é bandido morto".
Antes da chegada de Tarcísio, a polícia paulista estava submetida a uma política de segurança baseada em evidências. As imagens das câmeras corporais dos policiais eram descarregadas numa central que permitia a observação diária da atividade policial pelos comandantes de batalhões. A letalidade policial minguou. Sob nova administração, a realidade se inverteu.
Até a semana passada, São Paulo registrava 712 mortes decorrentes de intervenção de PMs. Numa comparação com as 460 registradas em todo o ano de 2023, houve uma alta de 55%. Em conflito com a lógica, Tarcísio informa que o capitão Derrite será mantido no cargo. Demora a perceber que não são apenas os erros que arruínam um governo, mas o modo como o governante age depois de cometê-los.
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