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Josmar Jozino

REPORTAGEM

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Polícia Civil de São Paulo procura o chefão do 'tribunal do crime' do PCC

Colunista do UOL

24/02/2022 04h00Atualizada em 24/02/2022 05h05

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A Polícia Civil de São Paulo está à procura de Rafael Maeda Pires, 29, o Japonês, apontado como o chefão do "tribunal do crime" do PCC (Primeiro Comando da Capital). Ele é suspeito de ter ordenado a morte de vários desafetos na maior facção criminosa do país.

Investigações do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) apontam Japonês como o 'patrão' do sargento da Polícia Militar Farani Salvador Freitas Júnior, 38, acusado de ser pistoleiro do PCC e mandante do assassinato do cabo Wanderley Oliveira de Almeida Júnior, 38.

Segundo o DHPP, o cabo, morto em 5 de fevereiro de 2020, em Itaquera, zona leste de São Paulo, havia descoberto que o sargento recebia R$ 200 mil de traficantes de drogas da Favela Caixa D'Água, em Cangaíba, também na zona leste, e por isso foi assassinado.

Farani e Japonês são suspeitos de matar Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, em fevereiro de 2018 no Tatuapé, zona leste, em represália à participação dele nos homicídios de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca, líderes do PCC mortos no Ceará.

Trama, sequestro e mortes

Japonês está com prisão temporária decretada pela Justiça a pedido do DHPP. Ele também é investigado por participação na trama que envolve a prisão do empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, 35, acusado de ser o mandante do assassinato de Anselmo Becheli Santa Fausta, 38, o Magrelo ou Cara Preta.

Cara Preta, um dos maiores narcotraficantes do Brasil, era um dos chefes do tráfico de drogas na favela Caixa D'Água, tido como simpatizante do PCC e muito ligado a Japonês. Segundo o DHPP, Gritzbach mandou matá-lo porque recebeu da vítima R$ 40 milhões para investir em criptomoedas.

O dinheiro dado por Cara Preta era dele, particular, oriundo do narcotráfico, e não tinha qualquer relação com o PCC. Segundo as investigações, a negociação não deu certo e ele ameaçou Gritzbach. O empresário então mandou matá-lo, pagando R$ 200 mil para o atirador Nóe Alves Schaun, 42.

De acordo com o DHPP, Noé foi contratado pelo agente penitenciário David Monteiro da Silva, 37, lotado no CDP 3 (Centro de Detenção Provisória-3), de Pinheiros. O DHPP prendeu o servidor no último dia 20 e apurou que ele recebeu R$ 300 mil, ficou com R$ 100 mil e deu o restante para Noé.

David e Noé eram amigos de infância e praticamente vizinhos. Apontado como 'patrão' do agente penitenciário, Pablo Henrique Borges, 28, investidor em criptomoedas, foi preso no último dia 21 em uma ilha em Angra dos Reis (RJ). Ele é investigado como um dos mandantes da morte de Cara Preta.

Veredito

Cara Preta foi assassinado em 26 de dezembro do ano passado, no Tatuapé, junto com o comparsa e "segurança" Antônio Corona Neto, 33, o Sem Sangue; esse sim, integrante do PCC.

Após os assassinatos de ambos, o "tribunal do crime" do PCC entrou em ação para descobrir os autores e a motivação do crime. Japonês e Cláudio Marcos de Almeida, 50, o Django, outro chefe do tráfico de drogas na Favela Caixa D'água, foram recrutados pela facção criminosa para "presidir o júri".

O "tribunal do crime" não demorou para chegar ao nome de Gritzbach. Ele foi levado para dois cativeiros. O DHPP apurou que em um deles também estavam presentes Danilo Lima de Oliveira, 33, o Tripa, empresário ligado ao ramo do futebol, e Robinson Granger de Moura, 52, o Molly.

Gritzbach só não foi morto graças à intervenção de Django. Por agir em defesa do empresário e não ter impedido o assassinato de Cara Preta, Django teve a morte decretada pelo "tribunal do crime" do PCC. Ele foi enforcado e teve o corpo largado sob o Viaduto da Vila Matilde, zona leste, em 23 de janeiro.

A morte de Noé foi bem mais violenta. Foi torturado, esquartejado e teve a cabeça decepada. Ao lado dos restos mortais havia um bilhete do PCC chamando-o de "pilantra" e de assassino de Cara Preta e Sem Sangue. As suspeitas são de que Japonês foi quem deu o "veredito" para Noé e Django.

Já o empresário Gritzbach acabou preso no último dia 8. Em depoimento no DHPP, ele contou que ficou dez horas em poder dos sequestradores. Disse que não tinha relação de amizade com Cara Preta e Noé e negou envolvimento em assassinatos.

Ele declarou também que Tripa era o mais violento, usava luvas cirúrgicas e ameaçou esquartejá-lo. Revelou que Japonês e Molly invadiram a imobiliária dele e levaram documentos, contratos, cheques e dinheiro, além de arquivos digitais. Japonês, Tripa e Molly estão foragidos.

Outro lado

A defesa do sargento Farani sustenta que ele não é mandante da morte do cabo Wanderley, não é pistoleiro do PCC, nunca integrou o crime organizado e jamais recebeu dinheiro de traficantes de drogas.

Os advogados do empresário Gritzbach alegam que o cliente é empresário do ramo de imóveis de alto padrão, formado em engenharia e administração, tem endereço fixo e ocupação lícita, nunca foi devedor nem credor de Anselmo Cara Preta e não tem envolvimento em assassinatos.

O agente penitenciário David negou em depoimento participação nas mortes de Cara Preta e Sem Sangue. Afirmou que não contratou ninguém para cometer assassinato. Admitiu que conhecia Noé e que a ex-mulher do amigo de infância é prima da mulher dele.

David afirmou ainda que trabalhou como segurança para o investidor Pablo Henrique Borges entre novembro de 2018 e dezembro de 2020 e que nunca fez negócios com ele. Acrescentou que é agente penitenciário desde 2018 e trabalhou na Fundação Casa entre 2014 e 2018.

A defesa de Pablo diz em petições que o cliente não tem envolvimento com as mortes de Cara Preta e Sem Sangue e também de Noé e Django. Segundo os defensores, o cliente nunca viu Tripa, Molly e Japonês e foi preso abusivamente com bases em falsas alegações e referências abstratas.

Os advogados de Molly alegam que não existem provas que vinculem o cliente ao sequestro do empresário Gritzbach e tampouco a assassinatos. Segundo os defensores, ele não foi intimado a prestar declarações e, portanto, não pode ser preso temporária ou preventivamente.

A reportagem não conseguiu falar com os advogados de Tripa nem de Japonês, mas publicará a versão dos defensores de ambos assim que houver um contato.

As disputas por poder e dinheiro dentro da principal organização criminosa do Brasil são narradas na segunda temporada do documentário do "PCC - Primeiro Cartel da Capital", produzido por MOV, a produtora de documentários do UOL, e o núcleo investigativo do UOL.