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Leonardo Sakamoto

Chuvas em MG: Prefeito de BH culpa céu para esconder incompetência na terra

Chuvas causaram danos na avenida dos Andradas, em Belo Horizonte, MG, neste sábado, 25 - Luidgi Carvalho/Estadão Conteúdo
Chuvas causaram danos na avenida dos Andradas, em Belo Horizonte, MG, neste sábado, 25 Imagem: Luidgi Carvalho/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

25/01/2020 15h42

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"Não sou herói de assumir o que não é [culpa minha]. Em desastres, não há responsabilidades. Uma área de 50 anos estabilizada (sic) e agora acontece uma coisa dessa."

A frase é de Alexandre Kalil (PSD), prefeito de Belo Horizonte, diante de mais duas mortes ocorridas após as fortes chuvas que atingem não só a cidade, mas todo o Estado. Até o começo da noite deste sábado (25), eram contabilizados 30 óbitos. Mas ainda há pessoas desaparecidas nos desabamentos, então o número pode aumentar. "O que aconteceu em Belo Horizonte é mais um furacão, um terremoto." Ele afirmou que "essa água vem do céu, não vem de incompetência administrativa", disse.

O prefeito está enganado. A responsabilidade não é sua apenas, considerando que as condições que levaram ao caos têm sido gestadas há várias administrações. Mas é dele também. Ninguém espera que vá proibir a água de cair, mas que, ao menos, será capaz de avisar com antecedência a população em locais vulneráveis.

Dessa forma, adota a mesma cartilha de lamentos políticos de outras grandes cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo.

Chamamos equivocamente de "desastres naturais" as mortes causadas por tempestades, terremotos, furações, inundações, entre outros eventos. Mas não há nada de natural nisso, pois já há tecnologia e protocolos para prever, reduzir e evitar perdas humanas.

Como o mapeamento das áreas de risco utilizando modelos pluviométricos e geológicos que levem em conta que usar o registro histórico das chuvas não basta, uma vez que o clima está se alterando por conta do aquecimento global. Ou seja, é necessário usar novos modelos prevendo clima extremo, como tempestades cada vez maiores, mais longas, mais intensas.

Gestores públicos que trabalham com base na razão, ou seja, que acreditam em mudanças climáticas, não devem apenas afirmar que precisamos fazer algo pelo planeta. Devem colocar isso em prática, antecipando-se, realizando estudos e levantamentos, preparando-se sempre para o pior.

Com informação de qualidade, é possível retirar a população de um local, com antecedência, e recoloca-la em outro, de forma decente e digna, pelo menos provisoriamente. Ou atuar para melhorar a estrutura de uma encosta a fim de evitar um deslizamento. Quando ações de prevenção não são implementadas, a responsabilidade é sim dos gestores - de hoje e do passado.

Peço desculpas ao leitor se sou repetitivo quando abordo esse tema. Mas enquanto governantes colocarem a culpa no acaso, faz-se necessária retomar esse discurso. No Brasil, quando chove "mais do que deveria", moradias deslizam e pessoas morrem fica a impressão de que não daria para fazer nada, o que não procede. Mas em um tempo em que "especialistas" são vistos com nojo por um governo federal que acredita que a sabedoria está no Twitter, isso faz sentido para muita gente que simplesmente aceita.

Providências que não incluem apenas sistemas de alerta decente, para fazer circular informação rápida e efetivamente horas, dias ou semanas antes de um fenômeno natural já existe em muitos países - e é por isso que há locais que conseguem reduzir significativamente perdas humanas. Mas também a execução de políticas decentes de habitação, saneamento, contenção de encostas, dragagem de rios, limpeza de vias, campanhas de conscientização quanto ao lixo.

Uma morte pode ser tragédia, mais de 30 é falta de política pública.

Os governantes que não acreditam nas mudanças climáticas não se resumem apenas àqueles "terraplanistas científicos" que negam evidências. Também são aqueles que defendem a ciência da boca para fora, evitando considera-la um guia para ações do dia a dia.

Tudo isso para falar de medidas paliativas. Porque, ao longo do tempo, a especulação imobiliária foi expulsando os mais pobres para regiões cada vez mais periféricas, para encostas de morros e nascentes de rios. E, por lá, eles morrem quando a falta de planejamento e de efetivação de direitos desaba sobre eles.

Post atualizado às 20h do dia 25/01/2020 para atualização do número de mortos.