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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro age como fã de Trump nas redes e não como líder de nação soberana

Jair Bolsonaro e Donald Trump na Assembleia Geral da ONU - Alan Santos/PR
Jair Bolsonaro e Donald Trump na Assembleia Geral da ONU Imagem: Alan Santos/PR

Colunista do UOL

05/02/2020 10h40

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Um discurso simplesmente FANTÁSTICO de Donald Trump. "Nosso trabalho é colocar os Estados Unidos em primeiro lugar."

Jair Bolsonaro postou essa declaração em sua conta no Facebook, no início da madrugada desta quarta (5), após o discurso do Estado da União - tradicional pronunciamento anual do presidente norte-americano ao Congresso.

Imediatamente vieram reações, lembrando que o mandatário brasileiro mantém com seu colega não apenas um questionável alinhamento automático na política externa, mas também uma relação de fã. Sim, Donald é o herói de Jair.

Para uma boa parte dos seguidores de Bolsonaro (e para os membros macarrônicos de seu governo), isso é uma qualidade, pois também são fãs incondicionais do presidente norte-americano.

Isso não vale, necessariamente, para a ala militar. Que até pode demonstrar simpatia ideológica, mas acredita que respeito à soberania não se prova por bravatas, mas através de comportamentos independentes no cotidiano. E, definitivamente, não inclui relações de suserania e vassalagem.

Talvez por via das dúvidas, Bolsonaro acrescentou um comentário à própria postagem, 44 minutos depois, complementando (ou justificando, dependendo do ponto de vista) a primeira - "desemprego o menor da história", "economia melhor do mundo", "valor da família renovados", "fronteira mais segura", "mais de US$ 2 tri para as Forças Armadas", "apoio à Venezuela livre", "contra o socialismo".

O presidente da República sabe que sua claque não se importa se o seu líder dá mostras de viralatismo explícito. Recentemente, inclusive, ele endossou um vídeo com a palestra de um jornalista que defendia a tese de que se população do Brasil fosse substituída pela do Japão, nosso país daria um salto.

O viralatismo presidencial não é novidade para alguém que já bateu continência à bandeira dos Estados Unidos sem estar concorrendo a um greencard. Mas apesar de uma concessão aqui, uma promessa de OCDE ali, uma festinha na barriga, a relação não tem sido muito vantajosa para nós. Pelo contrário, vamos passando vergonha.

Claro que Bolsonaro também queria fomentar a polêmica, ainda mais em um momento em que um de seus assessores, Fabio Wajngarten, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, está sendo investigado pela Polícia Federal por corrupção passiva e peculato - exatamente o tipo de pecado que não é perdoado por sua claque. Desviar a atenção com uma frase  como "Nosso trabalho é colocar os Estados Unidos em primeiro lugar"colocada de forma dúbia para dar margem a múltiplas interpretações, é sempre útil.

Mas agir alinhado aos Estados Unidos, sendo até seu garoto de recados e chegando a apoiar o assassinato de um general iraniano pelo Tio Sam, sem ter o mesmo tamanho econômico para aguentar o tranco da resposta, vem transformando o Brasil em uma espécie de poodle norte-americano no sistema multilateral. O papel já foi exercido pelo ex-primeiro ministro britânico Tony Blair, que - ao menos - não era babão como o brasileiro.

Ninguém vai nos retirar do jogo comercial (dinheiro é pragmático), mas a opinião do Brasil já não tem o mesmo valor. Sem contar que estaremos sujeito a boicotes de empresas e fundos de investimento, pois alinhamento ideológico a negacionistas climáticos é queimar grana. É ruim ver um presidente rasgar mais de um século de política externa brasileira, nos tornando motivo de chacota no mundo civilizado.

Seria menos danoso se ele trocasse o poster do Trump em seu gabinete pelo da Beyoncé.