Ajuda de Guedes a informais (R$ 200) é só meia cesta básica, aponta Dieese
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
"São duas cestas básicas." Ao anunciar que o governo Jair Bolsonaro pagará R$ 200,00 mensais como ajuda a trabalhadores informais durante a crise causada pelo coronavírus, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que esse valor "assegura a manutenção de quem está sendo vítima do impacto econômico da crise".
Contudo, o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos) aponta que o custo médio da cesta básica em 17 cidades avaliadas, em fevereiro, foi de R$ 519,76 (São Paulo), R$ 505,55 (Rio de Janeiro), R$ 493,15 (Florianópolis), nas mais caras, e R$ 395,49 (Salvador) e R$ 371,22 (Aracaju), nas mais baratas.
Em São Paulo, o auxílio anunciado pelo ministro representará apenas 38,5% de uma cesta básica completa. Em Aracaju, 53,9%. Há variações de preços entre o Sul/Sudeste e o Nordeste também por conta de diferenças na composição da alimentação.
Há cestas básicas no valor próximo a R$ 100, como se referiu o ministro, à venda na internet. Ou pacotes de produtos chamados de cesta básica com valor mais baixo que isso. Mas, segundo o Dieese, a quantidade é insuficiente para garantir segurança alimentar a uma família com dois adultos e duas crianças por um mês. Elas não incluem alimentos frescos, como carnes, verduras, legumes, frutas, ovos, por exemplo. E não listam itens de higiene e limpeza, como sabonete, sabão em pó e desinfetante em quantidade suficiente para proteger as quatro pessoas do coronavírus.
Guedes apresentou a proposta, nesta quarta (18), em coletiva à imprensa junto com o presidente Jair Bolsonaro e outros ministros que participam do gabinete de crise do coronavírus. Quem estiver recebendo outro benefício não terá direito aos R$ 200,00. A intenção é que a Caixa Econômica Federal pague o valor a 18 milhões de pessoas.
Se o objetivo é preservar um nível de renda dos trabalhadores ocupados de forma a não comprometer sua capacidade de comprar alimentos, medicamentos e outros produtos essenciais, garantindo tranquilidade para passar por um longo período de isolamento social, o valor proposto pelo governo se mostra insuficiente.
"Parece que o Paulo Guedes não está entendendo o que está acontecendo", avalia Clemente Gaz Lúcio, sociólogo e técnico do Dieese.
Quando se fala em "trabalhadores informais" e "desassistidos", termos usados pelo ministro, refere-se a um leque amplo de categorias. Parte das pessoas em situação de miséria já está no Bolsa Família, outra tem aguardado na fila de espera para poder receber o benefício de R$ 190,00, por mês, em média. Depois desse grupo, há um conjunto de ocupações com autônomos, trabalhadores por conta própria, empregadas domésticas, uberizados, trabalhadores da agricultura familiar, que representam cerca de 80% dos informais. Estes trabalha de dia para comer à noite e já estão sentindo imediatamente a paralisação da economia.
Seguro-renda de R$ 500/pessoa
As centrais sindicais, com a assessoria do Dieese, propuseram ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na terça (17), um seguro-renda no valor de R$ 500,00 por trabalhador, a ser pago aos informais, mas também aos que já recebem o Bolsa Família.
Ou seja, se um casal trabalha na família para sustentar a casa, os dois juntos ganhariam, R$ 1000,00. No caso de beneficiários de programas sociais do governo, como o Bolsa, receberiam um complemento até chegar aos R$ 500,00.
"O objetivo não é ativar a economia, mas garantir o mínimo de segurança para que as famílias possam ficar em casa na quarentena", explica Clemente Ganz. As centrais sindicais devem apresentar a proposta formalmente, ainda hoje, ao Congresso Nacional e defendem que ela seja aprovada de imediato.
A bancada do PSB propôs, em reunião com o ministro da Economia, Paulo Guedes, também nesta terça (17), o pagamento de renda básica emergencial no valor de R$ 500,00 a todos os trabalhadores informais e desempregados que sejam chefes de família e estão sendo afetados pelo isolamento social, como explicou ao blog o líder do partido na Câmara, Alessandro Molon.
Há outras propostas tramitando. Por exemplo, projeto de lei de Marcelo Freixo (PSOL-RJ) propõe um salário mínimo de benefício para desempregados e informais enquanto durar o isolamento social como medida de segurança contra a pandemia, conforme relatado pelo deputado à coluna. O PL prevê pagamento de seguro-desemprego a microempreendedores individuais (MEI) que tiveram que interromper prestações de serviço durante a pandemia.
De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua, o Brasil contava com 38,3 milhões de trabalhadores na informalidade, no trimestre encerrado em janeiro deste ano, e outros 11,9 milhões de pessoas que procuram trabalho, mas não conseguem. O IBGE informou, nesta terça, aliás, que a coleta de dados domiciliar para a PNAD Contínua foi suspensa por conta da pandemia.
Assalariados
O governo federal apresentou uma série de medidas para aumentar o crédito ofertado às empresas e reduzir seu custo, postergar o pagamento de impostos e contribuições, inclusive as previdenciárias, e criar planos de ajuda a setor especialmente afetados, com o aéreo e o de bares e restaurantes.
Propôs também antecipar férias individuais, decretar férias coletivas, aprofundar o teletrabalho (home office) e o uso de banco de horas, antecipar os feriados não-religiosos.
O Ministério da Economia sugeriu que o Congresso Nacional aprove a redução de jornada com redução proporcional de remuneração, adotando o limite de um salário mínimo na quarta (18).
E, nesta quinta, afirmou que trabalhadores de empresas que tenham salário e jornada reduzidos e ganhem até dois salários mínimos (R$ 2900,00) terão direito a um benefício do governo durante a crise. O valor será de 25% do que receberiam de seguro-desemprego.
O governo diz que a média a ser paga é de R$ 250,00. Mas no caso de quem ganha R$ 2090,00 mensais, e portanto, receberia seguro-desemprego de R$ 1518,89, o benefício será de R$ 379,72 por mês. Os recurso sairão do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
A proposta das centrais sindicais e do Dieese é que o governo ajude a bancar parte dessa redução, com foco nas micro, pequenas e médias, que não terão condições de bancar salários com o isolamento social e podem vir a fechar. A proposta limita salários ao teto do INSS.
"A maior parte das grandes empresas e o poder público podem bancar o salário de trabalhadores afastados. Nos casos em que isso não for possível, o Estado deve ajudar a pagar o salário, uma vez que é ele quem está mandando o pessoal ficar em casa", afirma. "Se reduzir metade da jornada, a empresa pagaria 25% do salário e o governo, os outros 25%."
A proposta do PSB, produzida em conjunto com os economistas Monica de Bolle, Filipe Campante e Carlos Eduardo Young, sugeriu a Paulo Guedes o pagamento de seguro-desemprego a setores que tiverem que suspender contratos - como o de bares e restaurantes. Ou seja, durante o período de crise, o Fundo de Apoio ao Trabalhador bancaria a remuneração para evitar demissões. A associação desse setor levou ao ministro a mesma proposta.
O governo afirmou, nesta quinta, que irá propor ao Congresso Nacional projeto para que a União banque as duas primeiras semanas em caso afastamento pela doença. Hoje, o governo arca com os custos apenas a partir do 16o dia. E que vai liberar o auxílio-doença sem perícia, não apenas para Covid-19, até que a crise termine.
Bolsa Família
O governo Jair Bolsonaro afirmou, inicialmente, a base do Cadastro Único de famílias de baixa renda (que recebem meio salário mínimo por pessoa, R$ 522,50) para pagar os R$ 200,00 de complemento aos informais. Ele conta com mais de 29 milhões famílias, das quais 13,2 milhões já recebem o Bolsa Família.
Mas, na quinta, mudou de ideia e trocou a base de informações para o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). A justificativa é que, dessa forma, evita o deslocamento até postos regionais para inscrição no CadÚnico.
O ministro da Economia também prometeu recursos para entrada de novos beneficiários no programa, como parte dos esforços contra o coronavírus. Isso, contudo, é o suficiente para zerar a fila de mais de um milhão de famílias que surgiu a partir de meados do ano passado.
Em fevereiro, a subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, que está à frente da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, pressionou o governo a responder o que estava fazendo para zerar a lista de espera, que era amplamente conhecida e algo de críticas por parte de parlamentares. Estava preocupada com a falta de medidas para atender essa população, mais vulnerável em momentos de crise.
À coluna, Duprat disse que deveria haver um mecanismo que retirasse imediatamente recursos de outro lugar do Orçamento para garantir prioridade zero ao atendimento das pessoas em situação de miséria e que até o Banco Mundial é favorável a esse tipo de mecanismo. "Não é aceitável um país conviver com isso", explicou.
O Ministério da Economia lançou seu pacote de proteção da economia após dois meses da pandemia ter saído da China, o que gerou duras críticas. E, inicialmente, para atender ao que chamou de mais "vulneráveis", propôs medidas consideradas insuficientes: acabar com a fila do Bolsa Família e adiantar o 13º do INSS e o abono salarial - repasses que aposentados, pensionistas e trabalhadores já receberiam no segundo semestre. Além de liberar mais recursos do FGTS. Nesta quarta, ampliou o leque de medidas.
Mas devido ao baixo valor (meia cesta básica) e do número insuficiente de beneficiados, Jair Bolsonaro segue criticado por gastar muito tempo negando o tamanho da crise, ao invés de comandar sua equipe.
Nesta quarta (18), durante a coletiva à imprensa, o presidente gastou mais tempo para exigir que os veículos de comunicação mostrassem os panelaços a seu favor do que tratar da garantia à população que água, luz, telefone e gás não serão cortados por falta de pagamento - proposta de partidos de oposição que vem sendo debatida no Congresso Nacional.
O panelaço contra o presidente, que era para durar alguns minutos na noite de quarta, prosseguiu, em alguns lugares do país, por uma hora, das 20h às 21h. O "protesto a favor" de Bolsonaro, que veio logo depois, foi muito menor e, com isso, ganhou menos espaço nos telejornais.