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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro foi à TV para tentar salvar mandato, mas panelaço falou mais alto

Jair Bolsonaro - Foto: reprodução - Jair Bolsonaro - Foto: reprodução
Jair Bolsonaro - Foto: reprodução Imagem: Jair Bolsonaro - Foto: reprodução

Colunista do UOL

31/03/2020 21h09

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Sob um ensurdecedor panelaço registrado nas principais cidades brasileiras, o presidente da República tentou convencer a população de que a fome que será sentida, a partir de agora, por ambulantes, empregadas domésticas, caminhoneiros, entre outros trabalhadores, é culpa das medidas de isolamento social contra o coronavírus. Mas essa fome tem pai: o próprio Jair Bolsonaro e sua negação em governar.

Sentindo-se isolado politicamente, abandonado por alguns de seus principais ministros, perdendo apoio em redes sociais e cada vez mais criticado pela população, ele fez um pronunciamento menos agressivo que o de costume. Pouco importa agora. Porque, nas últimas semanas, ele rejeitou a gravidade da pandemia e agiu como inimigo público número 1 da saúde dos brasileiros, fazendo de tudo para minar a única política reconhecida para retardar o avanço dos casos. Sim, Bolsonaro foi o único líder mundial que agiu para promover o coronavírus ao invés de contê-lo.

E, por professar o negacionismo, esqueceu-se de ordenar ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que preparasse um plano de contingência com antecedência - e Guedes demorou a se mexer por conta própria. Agora, o plano vem sendo liberado a conta-gotas e de forma insuficiente para proteger trabalhadores e micro e pequenos empresários. A concessão de uma renda básica já deveria ter acontecido há tempos para que essas famílias tivessem o que comer desde o início da quarentena, mas deve começar a chegar às mãos dos destinatários apenas na metade de abril. O problema é que os informais são os mais difíceis de serem localizados e aqueles que já estão passando necessidade.

Até lá, eles comem o quê? Talvez memes do Gabinete do Ódio, que é a única coisa que o Palácio do Planalto realmente produziu na crise.

A primeira morte por Covid-19 ocorreu em 11 de janeiro, o primeiro caso fora da China, em 13 de janeiro, a primeira paciente nos Estados Unidos, em 17 de janeiro, a confirmação de transmissão de pessoa a pessoa, em 20 de janeiro. Com base na transparência de dados da Organização Mundial da Saúde e considerando o histórico de outras epidemias, era possível a qualquer país civilizado começar a desenvolver mecanismos para se preparar para os choques social e econômico.

Devido ao vácuo de liderança que o Brasil enfrenta desde Primeiro de Janeiro de 2019, o país começou a discussão sobre medidas para mitigar o impacto da crise junto a trabalhadores e empresários quando já era tarde. Apenas nesta segunda (30), e graças à dedicação de deputados e senadores, o Congresso aprovou a transferência de R$ 600,00 a R$ 1200,00 para que os mais pobres sobrevivam ao coronavírus.

Ao invés de negociar saídas diretamente com o parlamento, o presidente gastou suas energias tentando nos convencer de que a pandemia era uma fantasia, uma histeria, uma gripezinha, um resfriado, uma bobagem. Culpou a imprensa de "espalhar a sensação de pavor", apesar de ser graças a ela que a população está sendo alertada sobre os riscos e formas de prevenção. Atacou governadores que estão organizando ações de contenção ao vírus, criticando o fechamento de escolas e do comércio. E, como sempre, pensando primeiro em si mesmo e, depois, no país, passou a militar para que todos saíssem da quarentena, pois teme que uma recessão profunda enterre seus planos de criar uma dinastia.

Bolsonaro ainda comparou vidas com empregos em seu pronunciamento. Por mais que, desta vez, não tenha antagonizado ambos, tem sido claro que ele acredita que seu governo tem sim o direito de decidir quem vive e quem morre. Pois milhares de vidas, principalmente as mais pobres, podem ser sacrificadas em nome da economia e, portanto, de sua sobrevivência política. Guedes condiciona a liberação de recursos a aprovação de uma emenda constitucional, o que é um absurdo.

Apoiado por um grupo de empresários que acredita que coronavírus no pulmão dos outros é refresco, o presidente esticou a corda o quanto pode. Mas o seu terraplanismo biológico esbarrou na realidade da ciência. O que deve sentir o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ao ver que o mesmo presidente que o desautorizava sistematicamente em público é aquele que, no pronunciamento, listou como méritos de seu governo as atividades postas em prática por sua pasta?

Inicialmente, o presidente tinha feito uma aposta, de que a letalidade do coronavírus seria menor no Brasil. Se assim fosse, seria o único líder de um país demograficamente relevante que acertou ao não frear sua economia como medida de prevenção.

Contudo, à medida em que a velocidade das mortes aumenta por aqui, Bolsonaro também freia lentamente sua narrativa bizarra, contando que sua horda alucinada de fãs não tenha memória. Pelo barulho das panelas, entretanto, o resto da população tem sim.

Há um parasita institucional entrincheirado no Palácio do Planalto. Mas, para além das mentiras, o discurso desta terça mostrou medo, algo que - apesar de sua notória covardia, ele não gosta de demonstrar. Bolsonaro, enfraquecido, sabe que a abertura de um processo de impeachment ou de afastamento por insanidade pode ajuda-lo a reunir apoio através de vitimização. Sabe também que o Congresso está dedicado a resolver a crise sanitária e econômica que ele, com sua ação irresponsável, ajudou a ampliar. E, por enquanto, não deve avançar com um impedimento.

A questão é quanto tempo o país aguenta. Se é que aguenta.