Topo

Leonardo Sakamoto

Evangelho de Flávio Bolsonaro: "Conhecereis a censura, e ela vos libertará"

Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

04/09/2020 22h11

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A Justiça baixou censura sobre a TV Globo ao impedir que ela divulgue documentos da investigação que corre contra Flávio Bolsonaro. Em outro tempo e local, isso seria um escândalo. Hoje, chamamos de cotidiano do Rio de Janeiro.

A juíza Cristina Serra Feijó, da 33ª Vara Cível do Rio, decidiu que a população brasileira não tem o direito de conhecer mais detalhes do esquema que desviava salários dos servidores da Assembleia Legislativa para o bolso de Fabrício Queiroz e, de lá, para o da família Bolsonaro. O Ministério Público apontou Flávio como o chefe de uma organização criminosa, que lavava o dinheiro na forma de chocolates e imóveis quando era deputado estadual.

Queiroz e sua esposa, Márcia de Aguiar, chegaram a depositar R$ 89 mil na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Até agora, o presidente da República não explicou a razão do repasse, xingando e ameaçando jornalistas que tratam do assunto.

Vale ressaltar que a divulgação de trechos da investigação que corre em sigilo não é crime. A quebra do segredo de Justiça é. Mas quando um conteúdo é entregue a um profissional de imprensa, a quebra já ocorreu. Cabe à Justiça descobrir quem vazou a informação, não punir o veículo de imprensa com uma mordaça, muito menos a sociedade com o silêncio.

O caso que envolve Flávio não se trata de questão de foro íntimo, mas de roubo de recursos públicos e lavagem de dinheiro. Sua divulgação beneficia a coletividade e pode contribuir para que uma pessoa pública com inegável poder econômico e político seja efetivamente levada a julgamento por um crime grave.

Pois, com o afastamento de Wilson "Desvio na Saúde" Witzel, assume um vice-governador que pode indicar um chefe do Ministério Público do Rio simpático a Flávio. Da mesma forma que Jair Messias Bolsonaro indicou um chefe da Procuradoria-Geral da República simpático a ele próprio.

Tão bizarro quando a Justiça do Rio de Janeiro censurar a TV Globo de divulgar os documentos que recebeu foi o senador Flávio Bolsonaro comemorar a censura no Instagram.

"Acabo de ganhar liminar impedindo a #globolixo de publicar qualquer documento do meu procedimento sigiloso. Não tenho nada a esconder e expliquei tudo nos autos, mas as narrativas que parte da imprensa inventa para desgatar minha imagem e a do Presidente @jairmessiasbolsonaro são criminosas." Também disse: "Juíza entendeu que isso é altamente lesivo à minha defesa. Querer atribuir a mim conduta ilícita, sem o devido processo legal, configura ofensa passível, inclusive, de reparação."

A família de Jair Bolsonaro - que diz ter abraçado como lema de vida "conhecerei a verdade, e ela vos libertará" (João 8:32) - deveria dar o exemplo e permitir transparência total sobre as questões que pairam sobre a lisura de suas carreiras públicas. Prefere, contudo, pedir à Justiça que censure o jornalismo a fim de evitar que a população tenha acesso à tal verdade. Até porque certas verdades têm 89 mil razões para permanecerem em silêncio.

Em tempo - Só para não esquecer: a mesma Justiça do Rio também censurou o portal GGN, editado pelo jornalista Luis Nassif, por conta de reportagens que denunciavam negócios envolvendo o banco BTG Pactual e o Banco do Brasil. É política, é economia... Tá dominado, tá tudo dominado.