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Leonardo Sakamoto

Aras se opõe ao MPF e se alinha ao governo em ação sobre poluição do ar

Poluição encobre o céu da cidade de São Paulo - Dario Oliveira/Código 19/Estadão Conteúdo
Poluição encobre o céu da cidade de São Paulo Imagem: Dario Oliveira/Código 19/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

08/09/2020 16h22

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Resumo da notícia

  • Parecer do procurador-geral da República, Augusto Aras, considera improcedente ação movida na gestão Raquel Dodge contra norma sobre qualidade do ar.
  • Em maio de 2019, o então vice-procurador-geral, Luciano Mariz Maia, entrou com ação direta de inconstitucionalidade contra Resolução do Conama.
  • Posição de Aras respalda defesa da resolução pelo Ministério do Meio Ambiente e pela Advocacia-Geral da União.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu que o STF (Supremo Tribunal Federal) considere improcedente uma ação da própria Procuradoria-Geral da República que contesta resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) apontada como branda quanto ao controle de emissão de poluentes no ar.

Apresentada pela equipe de sua antecessora, Raquel Dodge, a ação defende que a norma é inconstitucional por não reduzir riscos à saúde da população, não preservar o meio ambiente e negar acesso à informação. Em seu parecer, Aras endossou a posição do MMA (Ministério do Meio Ambiente) e da AGU (Advocacia-Geral da União) pela constitucionalidade da norma, afirmando que a ação movida pela gestão anterior discorda, em verdade, de "aspectos técnicos" da resolução.

A ação é vista por organizações da sociedade civil como um termômetro de como Aras atuará junto à questão ambiental, tema no qual o governo do presidente Jair Bolsonaro tem colecionado polêmicas.

Em maio de 2019, o então vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 6148) contra a Resolução do Conama 491/2018, que trata de padrões de qualidade do ar. Os valores funcionam como uma baliza para o poder público e as empresas alterarem seu comportamento e adotarem políticas para reduzir a quantidade de partículas suspensas no ar. Impacta licenciamentos, por exemplo.

Na ação, Maia afirma que os padrões iniciais da resolução são muito "permissivos em relação às diretrizes da Organização Mundial da Saúde". E diz que apesar de a resolução 491 ter como meta chegar aos padrões da OMS, não estabelece prazos para as etapas — o que, segundo ele, "estimula a inércia e a estagnação".

"Há metas intermediárias para serem alcançadas antes da meta final. O problema é que a resolução não fixa prazos para que isso aconteça", afirma a médica e doutora em patologia Evangelina Vormittag, diretora do Instituto Saúde e Sustentabilidade, que acompanha o processo.

A ADI 6148 também afirma que a resolução não garante a prestação de informações claras e acessíveis sobre a evolução da qualidade do ar à população. Ou seja, não somos alertados quando a poluição do ar atinge níveis que, em países europeus, seriam considerados de emergência. E reclama que as primeiras medidas de informação à sociedade sobre o aumento na poluição apenas serão tomadas pelas autoridades quando a concentração de partículas já afetar a saúde.

A ação afirma que a resolução "permite que a saúde da população siga sendo silenciosamente prejudicada".

"Como considerar que estamos avançando sem balizas claras?", reforça Carmen Araujo, diretora do escritório do ICCT (Conselho Internacional para o Transporte Limpo) no Brasil. "O objetivo a ser atingido não está traduzido em prazos e mecanismos."

Por avaliar que a norma não protege a saúde coletiva, a PGR havia pedido, em 2019, que ela fosse declarada inconstitucional sem ser declarada nula — para evitar que passe a valer a norma anterior, de 30 anos atrás, menos protetiva. E que seja editada, em até 24 meses, nova norma baseada em "parâmetros objetivos já disponíveis na ciência médica".

PGR de Aras contesta PGR de Dodge

Em parecer enviado à ministra Cármen Lúcia, relatora do caso, no dia 31 de agosto, Augusto Aras diz que não há motivos suficientes para o STF suspender a efetividade da norma. Afirma que a ação movida em 2019 não demonstra dissonância com a Constituição Federal, mas discordância quanto aos "aspectos técnicos" que fundamentam a política pública de qualidade do ar.

Grosso modo, o procurador-geral avalia que a PGR havia pedido que a norma seja considerada inconstitucional por discordar dela. Na opinião dele, a ação, movida na gestão que o antecedeu, faz um "juízo especulativo de ausência ou de precariedade da eficácia da aplicação concreta" por considerar a opção regulatória inadequada.

A defesa encaminhada pelo Ministério do Meio Ambiente e pela Advocacia-Geral da União ao STF contesta a ADI 6148 e afirma que não há "respaldo técnico e coerência" na alegação de que os valores fixados para os padrões intermediários são nada protetivos.

Dizem que a própria Organização Mundial da Saúde reconhece que padrões podem variar de acordo com a situação em cada país levando em conta fatores como "viabilidade tecnológica", "questões econômicas" e "fatores políticos e sociais". Mas que, segundo o MMA e a AGU, a resolução fixa padrões iguais ou mais restritivos que a própria OMS.

O procurador-geral, Augusto Aras, foi escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro fora das opções da lista tríplice dos mais votados na consulta entre os procuradores da República, o que não acontecia desde 2003.

A coluna apurou que, em dezembro de 2018, último mês do governo Michel Temer e com Jair Bolsonaro já em fase de transição à Presidência da República, houve forte pressão por parte da área econômica, principalmente da indústria, para que a resolução 491 fosse aprovada da forma como foi.

"O Brasil preferiu garantir à população qualidade do ar inferior para atender a interesses econômicos e políticos", afirma uma fonte à coluna. "A falta de prazos autoriza a continuidade da poluição por parte de empresas."

"Se a poluição se mantiver a mesma no Estado de São Paulo, por exemplo, com a mesma frota de veículos e a mesma quantidade de fábricas, em 15 anos serão 256 mil mortos, 1 milhão de internações por doenças relacionadas e R$ 1,6 bilhão de prejuízos", afirma Evangelina Vormittag.

Ela lembra que, durante a pandemia de coronavírus, estudos apontam para uma mortalidade 15% superior em locais poluídos por conta da dimensão respiratória da doença.

Menos sociedade civil no Conama

O presidente Jair Bolsonaro alterou a composição do Conama, em maio do ano passado, reduzindo o conselho de 96 para 23 integrantes e mexendo com a correlação de forças, fazendo com que as opiniões do governo tivessem mais peso que antes. Além do mais, os membros de organizações não-governamentais passaram a ser escolhidos não mais por eleição, mas por sorteio. O que levou o processo a ser batizado de "Bingo do Conama".

A mudança, que ocorreu seis meses após a resolução 491/2018 ter sido publicada, foi alvo de críticas da sociedade civil e do Ministério Público Federal, que veem na medida uma tentativa de reduzir a participação popular na elaboração de políticas de proteção ao meio ambiente.

Uma das últimas ações da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, no cargo foi a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 623, questionando o decreto 9.806/2019, que altera o Conama.

De acordo com a ação, o desequilíbrio de forças resultante impõe "lesão ao preceito fundamental da proteção ao meio ambiente equilibrado". O processo está sendo analisado pela ministra Rosa Weber.