Com novo apagão no Amapá, Brasil mostra que cidadania é produto de luxo
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
A medida do sucesso de um país não é o luxo de seus ricos logradouros, a monumentalidade de suas grandes obras ou o número de bilionários que ostenta para o mundo, mas se é capaz de caminhar em direção ao futuro sem deixar ninguém para trás. O Brasil vem provando, com os apagões no Amapá, que somos um fracasso.
Treze dos 16 municípios do Estado ficaram sem energia elétrica após um grandioso chabu em uma subestação. Com isso, a água que era bombeada faltou, a comida refrigerada estragou e a capital Macapá simplesmente parou. Veio, então, um humilhante rodízio de energia, cujo vai e vem ajudou a queimar os poucos eletrodomésticos que muitas famílias tinham.
A esperança desmaiou no calor e foi sugada por mosquitos.
Nesta terça (17), um novo blecaute colocou as mesmas cidades no escuro, mostrando que o problema está longe de ser resolvido. E, tal como aconteceu no primeiro apagão, a população perambulou em busca de alguma informação que trouxesse um mínimo de sentido àquilo. Pois pior do que ficar no escuro é ficar no escuro sem saber o porquê, nem por quanto tempo.
No apagão, autoridades e empresas praticam seu esporte preferido: o arremesso de responsabilidade à distância.
Enquanto isso, o governo Jair Bolsonaro decidiu que vai recorrer da decisão da Justiça Federal que concedeu o direito a mais duas parcelas de R$ 600 do auxílio emergencial para os pobres do Amapá, segundo relato de Carla Araújo, colunista do UOL. A ação foi movida pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que pediu para a fatura ser enviada às empresas de energia.
Dar uma banana para os amapaenses seria mais digno, caso o governo insista nisso.
Em outros locais, isso não aconteceria porque o sistema elétrico é pensado para não pifar. E se, muito hipoteticamente, ocorresse algo assim, mantendo os bairros ricos de São Paulo e Rio sem luz por um longo tempo, o governo conseguiria trazer o papa e o patriarca de Constantinopla para abençoar o povo atingido.
Mas como não ocorreu, toca o barco. Frases de Bolsonaro destinadas às vítimas da pandemia, que se tornaram testamento desta contemporaneidade, são perfeitas para a ocasião: "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre". Ou: "Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas".
A dignidade de um país é do tamanho da dignidade daqueles que ele deixa para trás. Como o abandono é consciente, não somos um fracasso por acidente. Somos um projeto de fracasso.