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Leonardo Sakamoto

Venda o Palácio dos Bandeirantes, não o Complexo Esportivo do Ibirapuera

Complexo Esportivo do Ibirapuera - Gabriel Cabral/Folhapress
Complexo Esportivo do Ibirapuera Imagem: Gabriel Cabral/Folhapress

Colunista do UOL

06/12/2020 09h22

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Demorei para tratar do projeto de conversão do conjunto desportivo Constâncio Vaz Guimarães no "Ibirapuera Complex" (ou "Privadão", como tem sido chamado o projeto apresentado pelo governo do Estado de São Paulo por conta de questões éticas e estéticas) para decantar a revolta.

Durante anos, eu saía do Campo Limpo, na periferia da capital, onde cresci, e ia ter aulas no conjunto aquático Caio Pompeu de Toledo, que fica no complexo, a 18 quilômetros. Duas ou três vezes na semana. Não só eu, como outros jovens faziam caminhos semelhantes, vindos de outros cantos da cidade.

Nunca tive desempenho que despertasse atenção, o que não significa que a natação não ajudou a formar quem sou hoje e não mudou a vida de muita gente. As pequenas revoluções do esporte são coisas que alguns "gestores" não conseguem compreender porque, quando olham para pessoas, enxergam linhas indiscerníveis de uma grande planilha de Excel.

No projeto do governador João Doria, a área do conjunto aquático - com piscina olímpica, tanque para saltos, arquibancada para milhares de pessoas para competições, entre outras estruturas - vai dar lugar a torres de hotel, escritórios e um centro de compras a céu aberto.

Todo complexo vai inverter sua lógica de ser um espaço de formação e competição esportiva para dar lugar a uma arena multiuso e um shopping center. O edital de concessão para a iniciativa privada por 35 anos obriga apenas a construção de quatro quadras poliesportivas abertas e uma pista de skate, além da arena - cujo grande filão serão os shows, não os jogos.

Como o esporte só é prioridade em propagandas eleitorais, o Constâncio Vaz Guimarães foi tendo problemas estruturais e de recursos humanos pela falta de dinheiro. É a política do fato consumado: deprecia-se para justificar a venda.

As piscinas chegaram a ficar restritas a atletas com treinadores porque o poder público não garantia estrutura para a utilização pela população comum, como apontou a coluna Olhar Olímpico, de Demétrio Vecchioli, aqui do UOL, que cobre sistematicamente o tema.

Em troca, o governo promete investir em outros complexos aquáticos, como o Baby Barione, na Água Branca. Já competi por lá e não é, nem de longe, a mesma coisa. Precisaríamos multiplicar os espaços, não reduzi-los. Não apenas para ganhar medalhas a cada quatro anos Olimpíadas, mas para possibilitar que cada criança e jovem vença, todos os dias, na busca por uma vida com mais qualidade.

Ideia estúpida por ideia estúpida, se o governo quer fazer caixa e ampliar as possibilidades para um grande empreendimento, melhor seria entregar o imenso terreno do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, localizado no nobre bairro do Morumbi, à iniciativa privada.

Entregar, não, devolver, porque ele nasceu para sediar a Universidade "Fundação Conde Francisco Matarazzo" e, com o fim do projeto, foi transformada em sede do governo.

Claro que o edifício é parcialmente tombado pelo patrimônio e o zoneamento daquela região riquíssima talvez não permitisse a construção de uma "área multiuso". Mas se foi negado o tombamento do Constâncio Vaz Guimarães por uma decisão política e considerando que quem manda em São Paulo é a especulação imobiliária, tudo pode ser resolvido.

Daí a sede do governo paulista poderia voltar, mais de cinco décadas depois, ao majestoso palacete do bairro dos Campos Elíseos.

Estando longe da bolha da alta classe e a algumas quadras da maior cracolândia da cidade e da Favela do Moinho, talvez o governador tomasse contato com o povo. E entendesse que vidas poderiam ser transformadas se a prioridade do governo fosse mais o fomento ao esporte e menos ações pirotécnicas com o objetivo de pavimentar seu caminho ao Palácio do Planalto.

Se o Ibirapuera for um ensaio do que será uma gestão Doria na Presidência, a Amazônia pode virar um grande shopping center.