Bolsonaro não se importar com "laranjal" de ex-ministro resume seu governo
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Jair Bolsonaro (sem partido) decidiu demitir o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, nesta quarta (9). A razão não foi o indiciamento e a denúncia por falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita de recurso eleitoral e associação criminosa. Tanto que, diante disso, em outubro do ano passado, Bolsonaro disse: "Se for algo de grave, substancioso, a gente toma uma decisão". O condicional embebido em cinismo reforça a percepção de que, para o presidente, corrupção só é crime se for cometido pelos adversários.
O que incomodou Bolsonaro foi um barraco entre ele e o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, no qual expôs as entranhas fisiológicas do governo. Antônio acusava o colega de estar negociando o seu cargo com o centrão no Congresso Nacional - articulação que conta com a benção do presidente em nome da "governabilidade".
Uma série de reportagens do jornal Folha de S.Paulo, em 2019, mostrou que Marcelo Álvaro Antônio comandou um esquema de desvio de recursos públicos usando candidaturas de fachada de mulheres.
Após a Polícia Federal tê-lo indiciado, fato revelado em outubro, o Ministério Público em Minas Gerais o denunciou sob acusação de ter plantado um laranjal durante as eleições de 2018, enquanto era presidente do PSL no estado.
Uma das reportagens mostrou, aliás, que parte da laranjada foi usado para produzir material de campanha não apenas para sua candidatura a deputado federal, mas também para a de Bolsonaro à Presidência da República.
Ironicamente, o presidente lançou, nesta quarta, o plano anticorrupção do governo para o período de 2020 a 2025. E assinou um decreto que regulamenta lei aumentando o controle sobre a evolução patrimonial ilícita de agentes públicos. Nesse contexto, soa como letra morta e piada.
Investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro aponta que a família Bolsonaro aumentou seu patrimônio exatamente com o desvio de recursos públicos. O ex-assessor Fabrício Queiroz gerenciava as "rachadinhas" do gabinete do então deputado estadual e, hoje, senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), recolhendo dos servidores públicos, alguns deles fantasmas e com relação com milicianos.
Apesar do primogênito do presidente ter transformado sua passagem pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro em um lucrativo negócio imobiliário, Queiroz era homem de Jair, colocado na Alerj por ele. Tanto que a temporada que passou na prisão enervou o presidente.
O próprio Bolsonaro não entende muito a separação entre as coisas pública e privada - recebia auxílio moradia tendo imóvel próprio, em Brasília, quando era deputado federal, deu carona para familiares em helicóptero das Forças Armadas no casamento de um dos filhos, entre outras coisas. Isso sem contar que tem devorado instituições de fiscalização e controle da República em nome de seu projeto de poder e do bem-estar de sua família. A própria crise que levou à demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça passa pela ânsia presidencial em indicar nomes à Polícia Federal nesse sentido.
Uma parte de bolsonaristas-raiz demonstrou incômodo pela desenvoltura com a qual ele interferiu na Receita Federal, no Coaf, no Ministério Público Federal, na PF. Mas um naco continua botando fé, incondicionalmente e inacreditavelmente, que essas ações do "mito" visam a combater a corrupção e a proteger a Lava Jato.
Bolsonaristas que bradam pelo fim da corrupção apoiam a pessoa que convive bem com denunciados por corrupção. Sim, seus seguidores, que criticam - com justiça - práticas fisiológicas da política, respaldam um governo que garante que o fisiologismo continue vivo. Ainda mais agora que as relações cada vez mais pornográficas com o centrão fazem com que ele abandone mais um plantador de laranjas no meio do caminho.