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Leonardo Sakamoto

Sem pedir perdão, Bolsonaro diz que 'não vai ter vacina para todo mundo'

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) participou de live semanal nas redes sociais - Reprodução/Facebook
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) participou de live semanal nas redes sociais Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

18/12/2020 03h56

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Jair Bolsonaro afirmou, nesta quinta (17), que não haverá vacina contra covid-19 para todos os que a procurarem no ano que vem. Só não comentou que um dos principais responsáveis por isso é ele mesmo.

O presidente criticava, em sua live semanal, a decisão do Supremo Tribunal Federal que reafirmou a obrigatoriedade da vacinação. Para reforçar o seu argumento de que a decisão foi inútil, cravou que nem todos os brasileiros conseguirão receber a vacina.

"Não temos como conseguir vacina para todo mundo até o final do ano. Então não tem medida restritiva nenhuma. Pode ser uma medida inócua do Supremo", disse.

"Não tem medida impositiva no ano que vem, zero. Porque não tem vacina para todo mundo", repetiu.

"Com todo o respeito ao Supremo Tribunal Federal, tomou uma medida antecipada. Nem vacina tem. Não vai ter pra todo mundo", insistiu.

Vacinar um país de dimensões continentais já seria difícil em um governo cuja prioridade é salvar vidas e empregos e que, portanto, segue as recomendações da ciência, tem seus discursos guiados pela razão e demonstra ser capaz de planejar algo. Mas o Brasil sob Bolsonaro reinventa, diariamente, conceitos como incompetência e irresponsabilidade.

Chefiado por um general que diz ser especialista em logística, o Ministério da Saúde conta com um plano capenga de vacinação e, até hoje, não possui vacinas.

A aposta no imunizante desenvolvido pela Universidade de Oxford junto com o laboratório AstraZeneca fez água quando ocorreram problemas em sua fase de testes.

Os ataques sistemáticos de Bolsonaro à vacina desenvolvida na China pelo laboratório Sinovac, que fechou um acordo de produção com o governador de São Paulo, João Doria, se mostraram um tiro no pé. Afinal, agora a União precisa do produto.

Ainda mais porque a Pfeizer, cuja vacina já está sendo inoculada no Reino Unido e nos Estados Unidos, foi procurada tardiamente pelo governo brasileiro e, lógico, informou que não consegue entregar as milhões de doses no tempo em que nós precisamos.

Cada dia que passa sem que pessoas sejam vacinadas significa mais mortos. Bolsonaro entende isso tanto quanto seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Mas parecem não se importar. Tanto que o general, diante de cobranças sobre o plano de vacinação, afirmou: "Para que essa ansiedade, essa angústia?"

Da mesma forma que demonstra falta de empatia, Bolsonaro tem dificuldade de pensar em termos coletivos. Deve ser mesmo difícil para um político cuja prioridade durante uma pandemia que matou mais de 184 mil é garantir sua reeleição e evitar a punição a seu filho denunciado por desvio de recursos públicos pensar no coletivo.

O ideal é que chegássemos ao final do ano que vem com, ao menos, 70% das pessoas vacinadas, o que produziria imunidade de rebanho e faria com que o coronavírus parasse de circular. Mas, diante da falta de vacinas, Bolsonaro tem promovido uma campanha contra a vacinação.

Sugeriu que os efeitos colaterais são maiores que os benefícios, propôs que cada cidadão assine um termo de responsabilidade, diz que não vai se vacinar porque já pegou. Soa como estratégia suicida: diante da falta de oferta, o vendedor reduzir a demanda atacando a credibilidade da sua mercadoria.

"E outra coisa que tem de ficar bem claro... Lá no contrato da Pfizer, está bem claro nós (a Pfizer) não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se você virar um jacaré, é problema de você. Se você virar Super-Homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou algum homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver isso", atestou o presidente.

Mais cedo, durante uma cerimônia, ao defender que ninguém pode obrigar outra pessoa a tomar a vacina, o presidente cavalgou a seguinte declaração: "Se o cara não quer ser tratado, que não seja. Se não quero fazer quimioterapia e vou morrer, o problema é meu, pô", disse.

Não é que ele não saiba que o câncer não é uma doença infectocontagiosa e que não se "transmite" câncer conversando com sua família como acontece com a covid-19.

Mas precisa criar uma narrativa para afastar ou terceirizar os fracassos como líder de uma nação em guerra contra um vírus. O que ele tem conseguido, uma vez que metade da população avalia que não tem culpa pelas mortes de covid-19, segundo o Datafolha.

Se a estratégia não funcionar, ele já tem uma desculpa pronta, testada, repetida e aprovada por milhões de seguidores e fãs: "Lamento todos os mortos, mas é o destino de todo mundo".