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Leonardo Sakamoto

Após anunciar os '78%' da CoronaVac, Doria não vai ao anúncio dos '50,4%'

Colunista do UOL

12/01/2021 15h56

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O governo de São Paulo divulgou, nesta terça (12), que os testes da CoronaVac no Brasil apontaram uma eficácia geral de 50,38%. Na última quinta, havia sido divulgada apenas a eficácia de 78% para casos leves e 100% para moderados e graves. Essa divulgação em dois momentos gerou desconfiança desnecessária a um imunizante que se mostra seguro e eficaz.

No espaço de tempo entre quinta e terça, médicos e cientistas criticaram o governo por ter soltado apenas parte das informações. E negacionistas e paranoicos usaram a ausência de dados para jogar descrença sobre a vacina.

Ao contrário do que aconteceu com o anúncio de quinta, o governador João Doria não participou neste último.

A polêmica não é a taxa de eficácia em si. Um resultado de 50,38% está acima do patamar recomendado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 50%, e mostra um produto pronto para o combate à pandemia. Além disso, a comparação com os demais imunizantes contra a covid não é tão simples, uma vez que usam métodos diferentes.

Natália Pasternak, doutora em microbiologia e diretora do Instituto Questão de Ciência, uma das pesquisadoras que vem cobrando transparência nos dados, convidada a participar da coletiva desta quinta, afirmou que a vacina é segura e eficaz, apesar de não ser a melhor do mercado.

"Temos uma boa vacina. Não é a melhor vacina do mundo, mas é uma boa vacina, que tem sua eficácia dentro dos limites aceitáveis pela comunidade científica, pela OMS e pelos parâmetros internacionais", disse.

Muita gente tem atuado como sommelier de imunizante (após ter se vacinado a vida inteira sem questionar) por conta da guerra política que se tornou o processo de vacinação, que contrapõe, de um lado, o presidente Jair Bolsonaro e, de outro, o governador João Doria - ambos com concorrentes à eleição de 2022.

A polêmica é que a primeira divulgação pecou por falta de transparência, o que gerou dúvidas e ruídos num terreno já sensível.

Médicos e pesquisadores reclamaram que, além da eficácia geral, também não havia sido divulgada, na quinta passada, os resultados para grupos sociais específicos, como pessoas imunodeprimidas e idosos. Em resposta, o governo disse que isso viria a público quando os dados fossem analisados pela Anvisa. O que deu espaço para especulações.

Bolsonaristas vêm atacando a vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e produzida pelo Instituto Butantan, divulgando teorias conspiratórias bizarras - como aquela que diz que o imunizante vai inocular chips para controlar os brasileiros com a ajuda de cavaleiros templários e bilionários pedófilos. As mesmas teorias que alimentam aquele povo violento que invadiu o Congresso norte-americano, no último dia 6, aliás.

O resultado disso foi o Datafolha apontar, em novembro, que 50% dos entrevistados não tomariam uma vacina desenvolvida na China, apesar de 73% da população desejar ser imunizada contra a covid. Considerando que uma boa parte da matéria-prima de nossos remédios vem da gigante asiático, isso mostra o nível de paranoia e ignorância que grassam por aqui.

Se o governo divulgasse os dados de uma vez, teria evitado o surgimento de dúvidas a respeito da credibilidade da vacina, o que - neste ambiente envenenado - seria de grande ajuda.

Aliás, a apresentação dos primeiros dados, na quinta, foi feita com pompa pelo governador paulista, João Doria (PSDB). Agora, na coletiva de hoje, ele não apareceu deixando a tarefa para o secretário de Saúde, Jean Gorinchteyn, pelo diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, por integrantes do centro de contingência para o coronavírus, além de médicos e cientistas.

A agenda do governador, desta terça (12), informava que, durante a coletiva, ele teria um almoço com o secretário de Comunicação, Cleber Mata; a secretária de Desenvolvimento Econômico, Patricia Ellen; o coordenador Executivo do Comitê de Saúde, João Gabbardo; a coordenadora de Imprensa, Letícia Bragaglia; e a assessora de Imprensa, Bruna Fasano, das 13h às 14h. E um despacho com o vice-governador e secretário de Governo, Rodrigo Garcia, das 15h30 às 16h.

Sua ausência nesta terça alimenta a narrativa que afirma que ele embolsa notícia boa e terceiriza notícia ruim.

A única razão de divulgar os 78% e os 100% de um recorte dos resultados para, alguns dias depois, ter que completar os dados após pressão de cientistas é o uso eleitoral do processo por Doria. Infelizmente, isso não traz apenas desconfiança sobre o governador, mas sobre uma vacina que se mostrou segura e eficaz.