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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Decisão de Fachin ressuscita comparação descabida entre Bolsonaro e Lula

Colunista do UOL

09/03/2021 11h15

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Cada vez que alguém diz que Bolsonaro e Lula são dois polos igualmente extremos, um filhote de panda - daqueles bem fofinhos - morre de desgosto na China. E foram muitos os filhotes que empacotaram, nesta segunda (8), após o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin abrir caminho para um confronto eleitoral entre ambos, em 2022, ao anular as condenações do ex-presidente no âmbito da Lava Jato.

A comparação ignora que entre os muitos, muitos defeitos do petista não está o de flertar periodicamente com um autogolpe de estado com a ajuda de militares, policiais e milicianos. Ou seja, a disputa com ele é dentro dos limites do Estado de Direito.

Lula nunca discursou em frente ao quartel-general do Exército, em uma manifestação que pedia o fechamento do STF e do Congresso Nacional, bem como a prisão de seus líderes, para um grupo enfurecido que gritava "AI-5! AI-5! AI-5!". Não tentou armar seus aliados, liberando a compra de fuzis e de farta munição. Enquanto administrações petistas instituíram instrumentos de combate à corrupção, posteriormente utilizados pela própria Lava Jato aliás, a atual gestão e seus aliados atuam para minar instituições de monitoramento e controle, como a Receita Federal, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal.

Mesmo assim, muitos colocaram Lula como um radical de extrema esquerda - coisa que, convenhamos, nunca foi. Pelo contrário, esta coluna cansou de criticar o seu governo por se omitir junto a justas demandas de movimentos sociais e por priorizar a inclusão social mais pelo consumo do que pela garantia de serviços público de qualidade.

Foi esse tipo de comparação que ajudou a eleger uma pessoa cujo maior legado será uma cordilheira de mortos. Alguém que, na maior guerra da história do Brasil, preferiu se aliar ao inimigo, ocupando-se exclusivamente da proteção de sua família e da busca por sua reeleição.

Uma parte do mercado não se importa com isso e usa um discurso de que teme uma disputa de populismos. Para ela, enquanto dinheiro estiver entrando, a democracia pode se afogar em uma lata de leite condensado.

(Sem contar que o mercado ganhou uma bica de dinheiro durante o governo Lula. Dizem que o temor quanto a ele é técnico. Tomem coragem e digam que é ideológico mesmo.)

Não admira que a referência para muitos, inclusive o ministro da Economia, é o neoliberalismo chileno capitaneado por um assassino, o general Augusto Pinochet.

A decisão de Fachin vem com três anos de atraso, apesar de advogados e juristas terem sistematicamente apontado que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era competente para julgar o ex-presidente porque as denúncias não envolviam apenas a Petrobras.

Com isso, Lula foi tirado da corrida eleitoral e passou 580 dias na cadeia, sem direito a um julgamento no lugar correto.

Pior, sem ter tido direito a um julgamento justo, uma vez que os vazamentos de mensagens entre o juiz Sergio Moro e procuradores da Lava Jato indicam conluio para condená-lo. Apenas um processo limpo pode apontar se ele é culpado pelas acusações que recaem contra ele, coisa que não houve até agora. E sendo comprovada sua culpa, que pague sua dívida à sociedade. Mas, com a anulação das condenações e o tempo que passou na cadeia, hoje ele que é credor da Justiça.

E um "foi mal aê" agora não basta, até porque isso seria bom demais a alguns dos responsáveis por toda essa rebordosa. Espera-se que o Supremo Tribunal Federal tenha a decência de apontar a suspeição de Moro. Pois não importa apenas se a Justiça é feita, mas como ela é feita.

Você pode discordar e não gostar de Lula, e não querer vê-lo novamente como presidente, mas compará-lo e comparar qualquer outra força política que disputou a eleição de 2018 com a ameaça à democracia que ocupa hoje o Palácio do Planalto não é apenas equivocado. É ser conivente com o atual estado das coisas.

Não é só o PT que deve ser cobrado a fazer autocrítica.