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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Brasil bate recorde de mortes enquanto Bolsonaro brinca com o Exército 

Funcionário passa por meio de sepulturas no cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus (AM) - Michel Dantas - 25.fev.21/AFP)
Funcionário passa por meio de sepulturas no cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus (AM) Imagem: Michel Dantas - 25.fev.21/AFP)

Colunista do UOL

30/03/2021 20h06

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Enquanto o presidente da República gasta tempo e energia para que o comando das Forças Armadas seja usado para ameaçar quem se opuser a ele, o país que governa (sic) registrou 3.668 mortos por covid-19 nas últimas 24 horas. Um novo recorde.

É como se cinco brasileiros morressem a cada dois minutos empregados por Jair Bolsonaro para exigir a cabeça do comandante do Exército, general Edson Pujol, ao novo ministro da Defesa, general Braga Netto. Afinal de contas, Pujol não era tão tuiteiro quanto seu colega, o general Villas Bôas.

Ou 153 mortos a cada hora utilizada pelo presidente para explicar ao novo ministro da Justiça, delegado Anderson Torres, sobre seu desejo de reorganizar as polícias militares do país sob comando do governo federal. Sim, uma guarda pretoriana seria ótima para ajudar a torturar resultado de urnas.

Escalando uma montanha de 317.936 mortos, que ostenta a plaquinha "Obra realizada no mandato de Jair Messias", carregando o peso de sua omissão na compra de vacinas em 2020, ele se encontra enfraquecido. E, quando está acuado, ataca. E o ataque é usado para afugentar, mas também como cortina de fumaça.

Por mais que a possibilidade de um autogolpe de Estado seja (ainda) improvável, a imprensa vai sempre jogar holofotes quando um presidente da República flerta com isso acintosamente. Você não relataria se um chefe de governo fizesse cocô em praça pública? Além disso, publicizar esses atos bizarros ajuda a limitar o alcance da porcaria.

O Congresso também é abduzido nesse redemunho. Poderia se dedicar a procurar formas de aumentar o valor do auxílio emergencial, cujo piso será de míseros R$ 150 - suficiente para comprar apenas 23% de uma cesta básica em São Paulo, segundo o Dieese. Até porque tem muita gente passando fome pelo atraso de Bolsonaro em renovar o benefício. Mas os parlamentares acabam tendo que fiscalizar comportamentos golpistas do presidente e de sua base.

O líder do PSL, Major Vitor Hugo, tentou pautar um projeto que aumenta os poderes de Bolsonaro durante a pandemia. É claro que os outros líderes iriam barrar a ideia, como vieram a fazer, nesta terça (30), mas isso já foi suficiente para roubar tempo precioso.

Da mesma forma, haveria muito mais tempo para políticas públicas se deputados não precisassem se preocupar em denunciar a presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Bia Kicis (PSL-DF), à Comissão de Ética por ter incitado motim junto aos policiais da Bahia na segunda.

Bolsonaro já avisou que não usará o "meu exército" (como se quartel tivesse virado loja de chocolates...) para garantir lockdowns a fim de reduzir a propagação do coronavírus. E, se pudesse, colocaria tropas na rua contra medidas de isolamento rígido baixadas por governadores. Como não pode, ele e seus apoiadores vão criando formas de ameaçar Estados e municípios.

Incitação de policiais na Bahia foi uma delas. Trocar o comando das Forças Armadas por pessoas dispostas a atuar politicamente a seu favor, outra. E não para por aí por que a capivara é longa.

Se uma CPI da Pandemia ficou mais distante com a queda do chanceler Ernesto Araújo e a nomeação da deputada Flávia Arruda, do PL de Valdemar da Costa Neto, como ministra-chefe da pasta responsável pela articulação política (emendas e cargos), o impeachment então tornou-se peça de ficção.

Ainda mais porque a reforma ministerial não acabou e Bolsonaro deve colher indicações entre deputados e senadores, corrigindo o fato de ter ignorado a indicação da Câmara ao trocar o general Eduardo, o Pesadelo. Pagando, assim, o combinado no contrato de leasing que estabeleceu com o centrão.

Bolsonaro daria um autogolpe de Estado se pudesse, se puder. Mas não tem forças para tanto. Na cabeça dele, ele precisa segurar as pontas enquanto o pior não passa, desviando das acusações de omissão e irresponsabilidade e fazendo de conta que não tornou a segunda onda um tsunami.

Foi assim na primeira onda, no ano passado, quando flertou com o autogolpe em cima de carros de som, discursando para multidões que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo. É assim agora com essa barafunda envolvendo as Forças Armadas.

Daí, a tensão se reduz. Até a chegada da terceira onda.

A questão é quantos brasileiros mais vão precisar morrer para garantir que Bolsonaro brinque de presidente?