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Leonardo Sakamoto

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro pede ao STF direito de atacar a democracia em nome da democracia

Colunista do UOL

09/08/2021 16h44

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Pressionado pelo Supremo Tribunal Federal a apresentar provas de que as eleições de 2018 e 2014 foram fraudadas, o governo federal afirmou que essa cobrança impõe "uma verdadeira censura ao direito fundamental da livre expressão do pensamento do cidadão Jair Messias Bolsonaro". Ou seja, o governo considera que ele, por estar em uma democracia, pode ter a liberdade de ferir de morte a própria democracia.

Em sua resposta ao STF, a Advocacia-Geral da União e a Secretaria-Geral da Presidência afirmaram que a Rede (partido que entrou com ação exigindo que fossem apresentadas provas de fraudes), quer "impedir a qualquer custo que discussões sobre a lisura do sistema eleitoral possam ser objeto de debate, muito embora isso já esteja em curso na Câmara dos Deputados".

Bolsonaro não está emitindo uma opinião sobre mudanças na forma de coleta de votos, mas atacando a credibilidade do sistema, agredindo o Tribunal Superior Eleitoral e ameaçando a República de golpe. Vale lembrar que ele disse que não haverá eleições se o voto impresso não for aprovado pelo Congresso Nacional.

Basicamente apela para o "paradoxo da tolerância". Se uma sociedade tolerante aceita a intolerância como parte da liberdade de expressão ela pode vir a ser destruída pelos intolerantes. Como analisou o filósofo Karl Popper, a liberdade irrestrita leva ao fim da liberdade da mesma forma que a tolerância irrestrita pode levar ao fim da tolerância.

Por isso, as instituições da República devem garantir que a liberdade não seja usada para minar ela mesmo sob o risco de cairmos na tirania.

O direito ao livre exercício de pensamento e o direito à liberdade de expressão são garantidos pela Constituição e pelos tratados internacionais que o país assinou.

Contudo, a liberdade de expressão não é um direito fundamental absoluto. Porque não há direitos fundamentais absolutos. Nem o direito à vida é, caso contrário, não haveria o direito à legítima defesa. Pois a partir do momento em que alguém abusa de sua liberdade de expressão, indo além de expor a sua opinião, espalhando o ódio, incitando à violência e buscando minar o sistema que garante a existência das liberdades individuais e coletivas, isso pode trazer consequências mais graves à vida de outras pessoas.

Pessoas como Bolsonaro dizem que não incitam essa violência. Mas a sobreposição de seus discursos ao longo do tempo mina a credibilidade das instituições e as regras de convívio comum. Ele nem precisará por os pés nas ruas em 2022 para perpetrar um golpe de Estado caso perca nas urnas, se civis e policiais alimentados por ele com as mentiras fizerem o serviço sujo.

A responsabilidade por uma declaração também é diretamente proporcional ao poder de difusão dessa mensagem. Quanto mais pública a figura, mais responsável ela deve ser. Bolsonaro não é um "cidadão" comum, mas o principal servidor público do país. Pena que se esqueça sempre disso.

Por fim, a liberdade de expressão não admite censura prévia. A lei garante que as pessoas não sejam proibidas de dizer o que pensam. E foi isso o que aconteceu. Bolsonaro quis falar, Bolsonaro falou. Mas somos responsáveis pelo impacto que a divulgação de nossas declarações causa. E, com isso, estamos sujeitos a sofrer as consequências: pagar uma indenização, perder o mandato, ter uma candidatura cassada, ir para a cadeia.

O exercício das liberdades pressupõe responsabilidade. Quem não consegue conviver com isso, não deveria nem fazer parte do debate público, quanto mais ser presidente da República.