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Nova internação de Bolsonaro mostra que facada segue peça-chave da eleição
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Após passar dias andando de jet ski e aglomerando com fãs no litoral de Santa Catarina, Jair Bolsonaro (PL) foi internado, em São Paulo, com obstrução intestinal nesta segunda (3), primeiro dia útil do ano. A primeira-dama Michelle, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) e o próprio presidente aproveitaram para lembrar a facada que ele levou em setembro de 2018, apontando que o uso político do atentado continuará sendo peça central de sua campanha eleitoral.
Antes de mais nada, desejo a ele pronta recuperação. Bolsonaro precisa ter saúde para ser derrotado nas urnas, através da democracia que ele tanto ataca, mesmo que não tenha demonstrado empatia pelos 620 mil mortos por covid-19 ou pelos 25 mortos durante as chuvas no sul da Bahia.
E viver muitos anos para poder responder pelos crimes dos quais é acusado. Tanto os de corrupção na Justiça brasileira quanto aqueles contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional.
A facada, recebida durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG), em 2018, deixou sequelas. Ao mesmo tempo, também deixou dividendos eleitorais que o então candidato à Presidência da República soube explorar muito bem para faltar a debates no segundo turno (mesmo que médicos tenham deixado claro, naquele momento, que ele poderia participar) e que, pelo visto, ele pretende colher também em 2022.
É reducionismo afirmar que Bolsonaro foi eleito só por conta do atentado, ignorando que Jair soube surfar uma onda antissistema e antipolítica, mesmo tendo sido parte do que há de mais fisiológico no parlamento brasileiro nas três décadas anteriores. Seu maior feito como deputado, aliás, foi ser o patriarca das rachadinhas da própria família e se tornar conhecido pela misoginia, como ao afirmar que há pessoas que merecem ser estupradas.
Também soube organizar uma guerrilha de ódio on-line, amplificada por seguidores fanáticos e financiada com recursos de empresários simpáticos a ele. E tido o apoio de parte do capital - que via (e ainda vê) a possibilidade de "domesticar" Bolsonaro em nome de suas pautas e interesses.
Sem contar que se beneficiou do fato de Lula, o candidato mais bem colocado nas pesquisas, ter sido retirado da disputa após ser condenado pelo juiz e futuro ministro da Justiça Sergio Moro - condenação que se mostrou enviesada e parcial a ponto de ter sido anulada pelo Supremo Tribunal Federal, neste ano, quando Inês já era morta.
O infortúnio da facada, contudo, permitiu a Bolsonaro ditar o próprio rumo e o ritmo da campanha de 2018 com o mais perfeito dos álibis.
Bolsonaro foi criticado por terceirizar gestão da crise na Bahia e tirar férias
O presidente trata a própria saúde com pouca transparência, o que ajuda a fomentar dúvidas a respeito de sua real condição clínica. Transparência não é postar fotos com roupa de hospital para ganhar cliques, mas garantir acesso à informação de interesse público. Indo na direção oposta, ele chegou a fazer uma guerra para mostrar o resultado de seus exames para covid-19 e decretar sigilo de 100 anos sobre sua carteira de vacinação para que ninguém saiba se foi ou não vacinado.
E isso não é à toa, mas parte da construção de uma narrativa.
A rapidez com a qual o bolsonarismo transformou a internação em um debate sobre o atentado ao presidente mostra como isso continuará sendo peça central da narrativa que adotará na campanha eleitoral deste ano. Vão vender a história de Jair Messias, um homem que ainda sofre as consequências de se dispor a trabalhar por seu povo - mesmo que ele tenha fugido do trabalho nos últimos três anos como o diabo foge da cruz.
O presidente mira, especialmente, o bolsonarismo-raiz - aqueles 15% da população que acreditam em absolutamente tudo o que ele diz. Esse grupo, que é capaz até de atender a um pedido de seu líder para ajudar em um golpe de Estado em 2022, precisa ser alimentado de tempos em tempos, principalmente quando Bolsonaro é alvo de críticas.
Para tanto, é fundamental tentar manter viva a conspiração de que Adélio Bispo (seu agressor, uma pessoa que as investigações da Polícia Federal provaram ter agido sozinho e ser mentalmente transtornado) é parte de um plano maquiavélico de partidos de esquerda para destruir Jair. Para tanto, o presidente vai torturar a PF até que ela grite o que ele deseja ouvir.
Não é a primeira, nem será a última vez que Bolsonaro usa sua condição de saúde para buscar empatia da população seguindo o padrão aprendido no atentado. Em julho do ano passado, por exemplo, passou dias soluçando sem parar. Ele realmente não estava bem, mas aproveitou a situação para abafar o impacto de denúncias de corrupção na compra de vacinas em seu governo publicizadas pela CPI da Covid. Expondo nas redes sociais a imagem de seu corpo em leito hospitalar e postando mensagens de caráter messiânico, apelou para a mesma estratégia de comunicação que adotou após o atentado de 2018.
Uma evidência de que essa estratégia já está funcionando em 2022 é a quantidade de postagens atacando quem critica o fato de ele estar usando o seu quadro clínico para tirar vantagem política. Isso aumenta a polarização, o que mantém o presidente em evidência e o beneficia.
Um fato é o quadro de Bolsonaro, que é mais sensível devido às cirurgias abdominais pelas quais passou. Outro é o oportunismo para usar o caso e tentar virar o jogo político, transformando o limão em limonada.
Após receber duras críticas por terceirizar a gestão da crise no Sul da Bahia a seus ministros e tirar férias bancadas com recursos públicos enquanto o Brasil fazia campanhas para doação de mantimentos às vítimas, ele voltou ao hospital devido a um mal-estar. Aproveita o problema pessoal para fazer mais um refresco.