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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Maior agressor de jornalistas, Bolsonaro defende 'liberdade de imprensa'

2.fev.22 - Bolsonaro em discurso na abertura das atividades do Congresso - Marina Ramos/Câmara dos Deputados
2.fev.22 - Bolsonaro em discurso na abertura das atividades do Congresso Imagem: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Colunista do UOL

02/02/2022 18h00

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Apontado por relatório da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) como a principal ameaça à liberdade de imprensa no Brasil, Jair Bolsonaro (PL) defendeu, nesta quarta (2), vejam só, a liberdade de imprensa. E nem corou as bochechas diante da contradição.

"A nossa liberdade, a liberdade de imprensa garantida em nossa Constituição não pode ser violada ou arranhada por quem quer que seja nesse país", disse o presidente que viola e arranha diariamente a liberdade de imprensa em discurso na abertura dos trabalhos de 2022 do Poder Legislativo.

Jair queria cutucar o ex-presidente Lula, que defende o debate sobre a regulação dos meios de comunicação. Acabou dando uma aula de cinismo.

O Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, elaborado pela Fenaj, foi divulgado na semana passada com os dados de 2021. Nele, o presidente da República repete 2020 e aparece novamente como o principal agressor de jornalistas, responsável por 147 casos registrados, ou 34,19%.

Dirigentes da EBC, empresa pública de comunicação sob responsabilidade de Bolsonaro, responderam por outros 142 casos - ou 33,02% dos registros, principalmente por conta da censura baixada durante a atual gestão. E 4,65% dos casos partiram de manifestantes bolsonaristas. No total, foram 430 casos em 2021, dois a mais que o ano anterior.

Em 12 de dezembro, por exemplo, seguranças e fãs do presidente agrediram jornalistas diante dele, que permaneceu em silêncio, em Itamaraju (BA). Uma repórter chegou a levar um mata-leão de um dos jagunços de Jair. Já no dia 31 de outubro, jornalistas que cobriam a viagem de Bolsonaro ao G20, em Roma, foram agredidos por seguranças que estavam a serviço do presidente.

Bolsonaro vem atacando instituições que atuam na fiscalização do poder público, entre elas a imprensa. Ele precisa que a população veja denúncias sobre desvios de recursos públicos nos gabinetes de sua família e a corrupção na compra de vacinas no Ministério da Saúde como mentiras e que sua incompetência em gerar empregos e reduzir a fome seja encarada como fake news. Por isso, demoniza os profissionais de imprensa que contam os fatos, fazem análises e garantem opiniões.

Ele também aproveitou para cutucar o Tribunal Superior Eleitoral e setores do Congresso Nacional que analisam a exigência de que plataformas digitais tenham escritório no Brasil para poder operar em nosso território a partir de uma quantidade de usuários.

"Os senhores nunca me verão pedir pela regulação da mídia e da internet. Eu espero que isso não seja regulamentado por qualquer outro poder", disse.

Das grandes plataformas, a única que não tem representação e, por isso, ignora sistematicamente as decisões judiciais sobre retirada de material de ódio, é o Telegram - aplicativo que Bolsonaro usará para articular seus seguidores nas eleições de outubro.

"A nossa liberdade acima de tudo", defendeu o presidente. O problema é que essa frase não apenas é um equívoco, mas vai contra as leis do país.

De acordo com a Constituição, nossos direitos individuais são limitados pelos direitos de terceiros e da sociedade, em um delicado equilíbrio. Sabemos que a liberdade de expressão não está acima de tudo porque não há direitos absolutos - nem a vida é, caso contrário, não haveria a legítima defesa. Todos nós podemos ser responsabilizados quando abusamos desses direitos, usando nossa liberdade de expressão, por exemplo, contra a saúde coletiva ou a integridade física de outras pessoas.

Bolsonaro veio subverter esse processo, tornando regra a impunidade diante do ódio e da mentira espalhados em massa.

Desde que assumiu o poder, ele trabalha para propagar a ideia de que o interesse dos indivíduos é sempre mais importante do que o bem-estar da coletividade. Isso não vale a todo o indivíduo, claro, apenas para o "povo escolhido" de Jair Messias, ou seja, os grupos que o apoiam, que fazem parte dos 15% que acreditam em tudo o que ele diz ou dos 9% que estão, hoje, com ele por conveniência.

Entre eles, estão garimpeiros, madeireiros, agropecuaristas que agem de forma ilegal, líderes religiosos ultraconservadores, empresários que desejam fazer o que quiserem sem ser importunados pela CLT, políticos e servidores públicos interessados em levar vantagem, milicianos e parte da banda podre das Forças Armadas e das polícias, entre outros.

No culto bolsonarista, a liberdade individual de não vacinar seus filhos contra a covid-19 é mais importante do que a vida das crianças e dos adultos que têm contato com elas; a liberdade de não usar máscara é mais importante que salvar vidas na pandemia; a de desmatar a Amazônia é maior do que os impactos mundiais das mudanças climáticas e a consequente falta de água para gerar energia e matar a sede; a de lucrar a qualquer custo é mais relevante do que a de garantir um mínimo de dignidade aos trabalhadores; a de correr nas rodovias está acima da integridade física de outros motoristas e da vida de suas famílias.

É esse culto que ele veio defender no Congresso Nacional nesta quarta. E é esse projeto de país que ele vai tentar aprofundar nas eleições deste ano. Vende-se como humilde, pedindo harmonia entre os poderes no discurso. Na prática, quer eliminar todo aquele que não lhe diz amém.