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Bolsonaro xinga e elogia nordestinos em estratégia que zomba dos eleitores
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Jair Bolsonaro chamou nordestinos de forma preconceituosa de "pau de arara" em uma de suas lives e, uma semana depois, em visita a Salgueiro (PE), afirmou que era "uma satisfação muito grande retornar ao meu Nordeste" e elogiou os trabalhadores da região chamando-os de "cabras da peste". Disse que o "pau de arara" havia sido uma brincadeira que faz quando está "com os amigos". Mas, nesta quarta (9), em visita a Jucurutu (RN), soltou mais uma expressão preconceituosa, afirmando que tinha um sogro cearense "cabeça chata".
Para além de uma alta dose de descaramento, isso expõe um dos pilares da gestão de comunicação do presidente da República desde sua campanha eleitoral: canais diferentes de comunicação atingem públicos diferentes, então ele pode mandar mensagens antagônicas em cada um deles sem precisar ser coerente.
O público de suas lives semanais - aquele naco de 12% a 15% da população que forma o bolsonarismo-raiz - é composto por eleitores de extrema-direita e ultraconservadores, que se alimentam de declarações radicais, negacionistas, violentas e preconceituosas do seu mito. Muitos não só toleram, mas esperam que ele chame nordestinos de "pau de arara" e "cabeça chata" - incluindo aí bolsonaristas nordestinos ricos e classe média que detestam nordestinos pobres.
Claro que as lives também são assistidas pela imprensa e difundidas por sites, jornais e rádios e TVs. Mas isso é absorvido e compreendido por uma parte da população, não pelo todo. Tal como as postagens em redes sociais e aplicativos de mensagens denunciando o preconceito presidencial. Pelo fato de viralizarem, acreditamos que atingem todo mundo, mas por vezes não escapam para além dos limites da nossa bolha definidos pelos algoritmos das plataformas de comunicação.
Muita gente no interior do Nordeste não teve acesso à polêmica do "pau de arara". Outros tiveram, mas como são seguidores e fãs do presidente, concordam com ele ou passam um pano. E há aqueles que tiveram contato lateral e não transformaram isso em uma questão, categorizando como mais um "exagero do Jair". Essa confusão o ajuda a navegar eleitoralmente pela região na qual a popularidade de Lula só perde para a de Padre Cícero.
Essa modulação de diferentes discursos para diferentes grupos ficou bem evidente na pandemia. Enquanto, ele disse as maiores aberrações sobre a covid-19 no cercadinho que protege seu rebanho na porta do Palácio do Alvorada (1), como a famosa frase "eu não sou coveiro, tá?", e demonstrou tom semelhante em suas lives semanais (2), Bolsonaro usou as cadeias de rádio e TV (3) para um discurso menos bizarro.
Mesmo chamando a doença de "gripezinha" em um pronunciamento oficial e empurrando o povo de volta às ruas em meio a escalada de mortes, o conteúdo era menos violento porque se dirigia à população em geral e não ao seu séquito. Tomava, portanto, mais cuidado em seguir um roteiro previamente escrito que, por vezes, não tinha sua cara. O mesmo fazia em eventos voltados ao empresariado (5).
Sua mensagem, por sua vez, é diferente quando se trata de espaços internacionais. Claro que ele defendeu o uso da ineficaz cloroquina em seu discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (5), em Nova York, em 2021. Mas comparado ao que ele dizia nos quatro canais anteriores, era a diferença entre alguém que come com as mãos e outro que usa garfo e faca.
A adoção de diferentes discursos, às vezes antagônicos, para diferentes públicos, será visto com força na campanha deste ano, da mesma forma que foi na de 2018.
Mensagens são disparadas de forma microssegmentada em redes sociais para atingir grupos diversos. Para um, ele promete transformar um terreno com árvores em praça, para outro em escola, para outro em indústria, para outro em estacionamento para van de miliciano. Não importa que as promessas batam de frente, contanto que o povo acredite nelas até a eleição. Daí, se eleito, ele entrega o terreno para os madeireiros e garimpeiros.
Vale ressaltar, contudo, que se as mensagens mudam, ele continua o mesmo. E o Jair real é aquele que, de forma consciente e inconsciente, solta declarações racistas, machistas, homofóbicas, preconceituosas.
Não que a autenticidade dele também não seja trabalhada para provocar o máximo de orgasmos em seu público-raiz, mas é o Bolsonaro real quem está lá. E isso pode ser constatado pelo conjunto de sua obra, que grita muito alto, chamando nordestinos de "pau de arara", governadores da região de "paraíbas", afirmando que quilombola, cuja maioria vive no Nordeste, é inútil que "nem para procriador serve mais".
As pessoas podem até não ouvir as mensagens. Mas a História, que não esquece, já registrou tudo para a posteridade.