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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro desautoriza Mourão por criticar invasão russa e não condena Putin

Colunista do UOL

24/02/2022 18h00Atualizada em 24/02/2022 20h31

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Os chefes de governo que não estavam articulando uma solução diplomática após a invasão russa da Ucrânia, nesta quinta (24), passaram o dia debruçados fazendo contas e preparando seus países para o impacto econômico e social decorrente do conflito. Menos Jair Bolsonaro, que se dedicou ao que mais gosta de fazer: campanha eleitoral.

Deixando as questões diplomáticas para o Itamaraty e econômicas para a equipe do governo e os líderes do centrão, Bolsonaro foi a São José do Rio Preto, no interior paulista, ao lado do ministro da Infraestrutura e seu pré-candidato ao Palácio dos Bandeirantes, Tarcísio Gomes de Freitas, inaugurar obras, fazer comício e participar de motociata.

Na ausência de um chefe de governo dando expediente, o vice-presidente Hamilton Mourão criticou Putin e a invasão. "O Brasil não está neutro. O Brasil deixou claro que respeita a soberania da Ucrânia, então Brasil não concorda com uma invasão", disse. Comparou as ações do governo do russo às da Alemanha nazista pré-Segunda Guerra e disse não acreditar que apenas sanções econômicas funcionarão.

Como o general é sistematicamente desautorizado por Bolsonaro, alertamos que era necessário esperar. E não deu outra. Em sua live semanal, na noite desta quinta, Bolsonaro desautorizou a declaração de Mourão, sem citar o nome do vice, dizendo que é ele quem trata dessas questões. E citando o artigo 84 da Constituição, que prevê as atribuições do presidente da República, afirmou que "quem tá falando, tá dando 'piruada' naquilo que não lhe compete".

Jair também afirmou que ainda vai "dimensionar o que está acontecendo" e que deve ouvir os ministros das Relações Exteriores e da Defesa antes de formar uma opinião sobre o conflito, mas adiantou que "nossa posição é pela paz" - o que é bastante vazio. E apesar da perda de prestígio do Brasil, visto como ameaça ambiental, climática e sanitária global, sugeriu que as relações exteriores do país tomaram uma proporção maior em seu governo. E, vivendo um momento de realidade paralela, afirmou que "o mundo todo vem conversando conosco".

No último dia 16, Bolsonaro disse a Vladimir Putin que era "solidário à Rússia" em uma visita ao russo. Apesar das críticas e alertas, o presidente decidiu manter sua viagem a Moscou ignorando a tensão de um conflito iminente. Um dos objetivos era gerar um fato político com Putin para ser usado junto a seus seguidores e eleitores com propósitos eleitorais.

Desde que os tanques e helicópteros russos atravessaram a fronteira ucraniana, nesta quinta, contudo, ele não repudiou a ação. Ou seja, sua última palavra ainda é de apoio ao Kremlin.

O Ministério das Relações Exteriores divulgou nota demonstrando "grave preocupação" e pedindo a "suspensão imediata das hostilidades", tomando o cuidado de não melindrar o governo russo - mesma tônica ensaboada das declarações do chanceler Carlos França que participou da live de Bolsonaro.

"O governo brasileiro acompanha com grave preocupação a deflagração de operações militares pela Federação da Rússia contra alvos no território da Ucrânia. O Brasil apela à suspensão imediata das hostilidades e ao início de negociações conducentes a uma solução diplomática para a questão", afirmou o Itamaraty.

Enquanto estava em campanha em Rio Preto, Bolsonaro subiu em um palanque para dizer que não cometeu erros na pandemia. As famílias de 500 mil das quase 647 mil mortes por covid-19 que poderiam ter sido evitadas, segundo cálculos do epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, discordam dele.

Também se parabenizou pela geração de empregos, por mais que, apenas no último trimestre do ano passado, tenhamos voltado à 11,1% da população desempregada (12 milhões), mesma taxa do quarto trimestre de 2019 - ou seja, de antes da pandemia. E, convenhamos, esse número ainda é obsceno. Sem contar que a renda caiu 10,7% em relação ao mesmo período de 2020, sendo a pior renda média em dez anos de série histórica, segundo dados divulgados, nesta quinta (24), pelo IBGE.

E na capital paulista, Bolsonaro participou de inaugurações ao lado do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Para que não ficasse dúvida que estava em campanha antecipada, atacou Lula, que está à sua frente nas pesquisas, em um discurso em que também usou o medo da volta de um comunismo que nunca esteve presente.

Nas redes sociais e na live, Bolsonaro afirmou estar empenhado em proteger os brasileiros que moram na Ucrânia. Empenho este que pode ser constatado pela foto que abre este texto, tirada nesta quinta, em Rio Preto.