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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Nazista' se tornou o grande xingamento na guerra entre Rússia e Ucrânia

Refugiados da Ucrânia no acampamento temporário em Przemysl - REUTERS/Yara Nardi
Refugiados da Ucrânia no acampamento temporário em Przemysl Imagem: REUTERS/Yara Nardi

Colunista do UOL

28/02/2022 19h52

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Neonazistas, supremacistas brancos, adoradores de Hitler e similares devem ter ficado bastante chateados com o fato de o termo "nazista" ter se tornado o grande xingamento usado por ambos os lados do conflito entre a Rússia e Ucrânia.

De um lado, o presidente Vladimir Putin acusa a Ucrânia de estar infestada de neonazistas em seu governo e em suas forças armadas. A ponto de uma das demandas apresentadas por ele (além de seu objetivo real, que é manter a neutralidade do vizinho e desmilitarizá-lo) é a sua "desnazificação". Segundo ele, esse "nazismo" ucraniano estaria provocando um "genocídio" de russos.

Do outro lado, o governo ucraniano compara abertamente o líder russo à figura de Adolf Hitler - inclusive fisicamente. E afirma que as táticas empregadas por ele copiam a estratégia nazista na Segunda Guerra Mundial. Nesta segunda (28), em uma rara sessão extraordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas, o embaixador ucraniano, Sergiy Kylskysia, equiparou a Rússia ao Terceiro Reich.

Putin é um autocrata, populista, homofóbico e violento, com comportamento czarista, mas não é Hitler. E o contexto da Rússia atual é bem diferente do da Alemanha da década de 1930. E o contexto importa.

Ao mesmo tempo, o governo do atual presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, um judeu que perdeu familiares para Hitler, não é nazista.

É fato que há neonazistas, supremacistas brancos e adoradores de Hitler agindo em ambos os países, eventualmente como funcionários públicos, militares ou lideranças de organizações. A extrema direita está em espaços como o Batalhão Azov, na Ucrânia, ou nas fileiras do Exército russo. Mas daí dizer que nazistas estão à frente dos respectivos governos é pura propaganda de um conflito que não começou com a invasão da última quinta, mas já dura anos. Principalmente no campo da desinformação.

A Ucrânia, que perdeu milhões para o nazismo na Segunda Guerra, contou com grupos que colaboraram com Berlim, como em outros países - o que é sempre lembrado pelos russos. Pesou na colaboração a lembrança do Holodomor, a grande fome entre 1932 e 1933, que matou milhões de ucranianos.

E, nos últimos anos, houve o fortalecimento de grupos neonazistas na Ucrânia - como em toda a Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Essa extrema direita está em milícias armadas que lutam contra os separatistas russos e conta com membros nas forças armadas. Mas não as controlam, muito menos compõem o governo.

Putin acusa o presidente ucraniano, o judeu Volodymyr Zelensky, de ser nazista para justificar o ataque junto à sua população. O objetivo é tentar moldar a opinião pública russa, que precisa apoiar a invasão. Zelensky, em um pronunciamento à TV, afirmou à população russa: "dizem a vocês que somos nazistas, mas pode um povo que deu mais de oito milhões de vidas pela vitória sobre o nazismo apoiar os nazistas? Como posso ser nazista?".

Nas redes sociais, as torcidas de ambos os lados, à direita ou à esquerda, têm usado essas acusações de laços infundadas de ambos os governos com o nazismo para provar que o inimigo é o mal encarnado. Muita desinformação vem sendo compartilhada, de fotos descontextualizadas a mentiras bem elaboradas.

Nesse contexto, chamar o adversário de "nazista" é uma forma simples de desumanizá-lo e representá-lo como o mal, uma vez que a maioria dos russos e dos ucranianos entendem muito bem o que foi o nazismo, considerando que seus parentes foram mortos por ele.

Isso bate de frente com o que a graduação em Política Internacional pela Universidade do WhatsApp ensinou para muita gente. Mas a realidade não está aí para servir às nossas crenças.

O Itamaraty condena a invasão, mas a última palavra do presidente foi de 'solidariedade' à Rússia

E falando em crenças, sempre bom lembrar: o fato de os Estados Unidos contar com uma longa lista de invasões de outros países para saciar seus interesses econômicos e a Otan, uma aliança militar, agir de forma expansionista sobre a vizinhança da Rússia não diminui o fato que Putin invadiu de forma inadmissível a Ucrânia, uma nação soberana, deixando um rastro de mortes, dor e destruição para forçar que o país se mantenha neutro. E precisa parar imediatamente.

A representação diplomática brasileira condenou a invasão russa na reunião extraordinária da ONU, colocando-se também contra sanções. Jair Bolsonaro poderia ter feito o mesmo: criticado a invasão e afirmado que não aplicaria sanções à importação de produtos russos, como fertilizantes, por questões estratégicas nacionais. Mas ele não fez isso e, em coletiva à imprensa neste domingo, ainda defendeu Putin e zombou do presidente ucraniano.

Esse comportamento faz parte da guerra eleitoral de Jair. Enquanto o Itamaraty tenta agir de forma pragmática, mas dentro do que se espera de um país que reconhece o direito à autodeterminação e à integridade territorial dos povos, o presidente tenta alimentar uma parte da extrema direita brasileira que vê Putin como referência exatamente pelo conservadorismo em costumes.

Aliás, para uma parte desse pessoa da extrema direita daqui, "nazista" não é xingamento, mas elogio.