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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro tem sim o direito de impor sigilo a reuniões. Basta renunciar

15.jul.2019 - Deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sussurra no ouvido do pai, o presidente Jair Bolsonaro (PSL), durante sessão solene na Câmara - GABRIELA BILó/ESTADÃO CONTEÚDO
15.jul.2019 - Deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sussurra no ouvido do pai, o presidente Jair Bolsonaro (PSL), durante sessão solene na Câmara Imagem: GABRIELA BILó/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

14/04/2022 19h16

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Toda a polêmica gerada pelo sigilo sobre as visitas ao Palácio do Planalto tanto dos pastores que cobravam pedágio em ouro para acesso aos cofres públicos quanto dos filhos do presidente com seus interesses políticos é apenas o aperitivo de um governo que tem como princípio basilar a falta de transparência.

O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República divulgou os registros de entrada de Gilmar Santos e Arilton Moura, nesta quinta (14). Ao todo, foram 35 vezes em que os pastores acusados de cobrar de prefeitos pelo acesso ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação estiveram em reuniões na Casa Civil, na Secretaria de Governo, na Vice-Presidência, no Gabinete de Segurança Institucional.

Os dados só vieram a público após muita pressão. Isso não precisaria ser assim se o princípio da publicidade fosse respeitado. Não é à toa que Jair Bolsonaro e o centrão estejam bem casados. Quase um mês após o fim do prazo dado pela Suprema Corte para o Congresso Nacional divulgar os deputados e senadores beneficiados pelas emendas do orçamento secreto, as informações continuam em sigilo.

Os parlamentares deram um passa-moleque na ministra Rosa Weber sob a justificativa de que precisam de mais tempo para organizar o papelório. Ahã, Cláudia, senta lá.

Vale lembrar que a destinação dessas emendas tem sido usada pelo governo federal para beneficiar sua base aliada, ou seja, comprar votos e apoio para evitar o impeachment. Sobre isso, Jair foi direto ao ponto, nesta segunda (11), e afirmou que a emenda "ajuda a acalmar o parlamento". Quase R$ 40 bilhões nos últimos dois anos? Deve dar até barato.

Bolsonaro impôs sigilo de um século sobre a sua carteira de vacinação para que ninguém veja se ele se vacinou contra a covid-19. Como o presidente se ama demais, a chance de isso não ter acontecido é ínfima, mas a informação de que ele confia na ciência seria algo terrível para seus seguidores mais radicais, muitos deles negacionistas e terraplanistas, que pulam no abismo para defende-lo.

Esse padrão de baixa transparência foi imposto pelo presidente como norte de seu governo. Um dos exemplos mais deploráveis foi a redução proposital do acesso aos dados sobre a covid-19 por parte do Ministério da Saúde - o que levou a veículos de imprensa a se organizarem em um consórcio para apurar os números e entregá-los à sociedade.

Ações como essa são tomadas quando os dados a serem revelados são desfavoráveis. E quando o sigilo não é possível, ataca-se a credibilidade da fonte. Ou seja, a culpa pela febre passa a ser do termômetro.

O presidente já afirmou que a metodologia de cálculo de desemprego do IBGE estava errada porque não concordava com ela. Quando o desmatamento na Amazônia deu um salto, ele disse que tinha a "convicção" de que dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais eram "mentirosos".

O general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, disse que as taxas de desmatamento eram manipuladas e infladas porque não concordava com elas. Osmar Terra, então ministro da Cidadania, disse não confiar em pesquisas da Fiocruz, instituição de renome internacional - que, hoje, é fundamental no combate à pandemia, porque não concordava com elas. O então chanceler Ernesto Araújo disse não acreditar em mudanças climáticas. O ministro da Economia, Paulo Guedes, menosprezou o questionário do Censo, dizendo que ele tinham perguntas demais.

Com a imposição de sigilos, Augusto Heleno protege o chefe de questionamentos. E, há quatro anos, o general cantava "se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão". Quem diria...

Políticos pouco afeitos à democracia, quando colocados contra a parede, tendem a reduzir a transparência de informações às quais a sociedade tem acesso a fim de adaptar a realidade à sua narrativa. Mas há ditaduras de direita e esquerda que disfarçam melhor que o Brasil de hoje.

Transparência não é concessão que governantes fazem a cidadãos, mas uma obrigação. Ser presidente da República diferencia o indivíduo dos demais cidadãos não apenas pelos poderes que o cargo lhe confere, mas - principalmente - pelos deveres que é obrigado a cumprir - entre eles, a transparência sobre seus atos.

Se ele quer a plena privacidade de volta, é simples: basta renunciar.

Em tempo: considerando que um governo que esconde dados não tem receio em deturpá-los para proteger seus objetivos, pode ser que a lista entregue hoje conte ainda com um "sujeito oculto".