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Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

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Antes de rir da tortura, Mourão chamou torturador de herói mais de uma vez

Colunista do UOL

18/04/2022 18h31

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Criticado por ironizar a possibilidade de novas apurações sobre torturas cometida pela ditadura militar, o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, já havia elogiado, e mais de uma vez, aquele que é apontado como um dos principais torturadores daquele período, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.

"Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. Vai trazer os caras do túmulo de volta?", declarou, em meio a risadas, nesta segunda (18), em frente ao Palácio do Planalto Não ficou claro se o general Hamilton Mourão falava apenas dos torturadores ou também dos torturados.

O tema voltou ao debate público após a revelação pela coluna de Miriam Leitão, em O Globo, neste domingo (17), de áudios de sessões do Superior Tribunal Militar que trataram desse crime. As gravações, de 1975 a 1985, vêm sendo analisadas pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Questionado pelo fato de Jair Bolsonaro tratar o coronel de "herói nacional", Mourão afirmou, em outubro de 2020, que Ustra "era um homem de honra, que respeitava os direitos humanos de seus subordinados". Ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, o então deputado federal Bolsonaro homenageou o torturador: "Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff". A ex-presidente foi presa e torturada.

Ustra foi chefe de um dos principais centros de repressão da ditadura, o DOI-Codi, em São Paulo, acusado de tortura, desaparecimento e morte de presos políticos. Chegou a ser declarado pela Justiça como responsável por esse crime contra a humanidade e também condenado a pagar indenização pela morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino.

O elogio do vice-presidente ao torturador, feito em entrevista ao canal de TV alemão Deutsche Welle, não foi o primeiro. Até porque ele também já havia chamado o finado coronel de "herói" - e mais de uma vez. Como em 28 de fevereiro de 2018, em seu discurso de aposentadoria, no Salão de Honras do Comando Militar do Exército em Brasília.

O mesmo ocorreu no dia 8 de setembro do mesmo ano, em meio à campanha eleitoral, quando, em sabatina na GloboNews, Mourão disse que "heróis matam" ao falar do torturador.

O Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) era integrado por membros do Exército, Marinha, Aeronáutica e policiais. Os métodos desenvolvidos por este e outros grupos da repressão são, hoje, repetidos pela banda podre da polícia e das milícias.

Durante as eleições, Mourão admitiu que, na hipótese de um presidente da República considerar que o país entrou em uma situação de anarquia, ele poderia dar um "autogolpe" de Estado com o apoio das Forças Armadas.

Também criticou a Constituição e defendeu que uma nova fosse criada por um pequeno comitê de juristas e constitucionalistas apenas com princípios e valores, sem a eleição - pelo povo - de uma Assembleia Constituinte. "Fazemos um conselho de notáveis e depois submetemos a plebiscito. Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo."

Quando ainda estava na ativa e era secretário de economia e finanças do Exército, o general afirmou, em setembro de 2017, em uma palestra promovida pela maçonaria em Brasília, que seus "companheiros do Alto Comando do Exército" acreditavam que uma "intervenção militar" poderá ser adotada se o Poder Judiciário "não solucionar o problema político", ou seja, à corrupção.

"Até chegar o momento em que ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso", afirmou. Ainda disse que o Exército contava com "planejamentos muito bem feitos" sobre isso.