Mourão ri sobre investigação de tortura na ditadura: 'Os caras já morreram'
O vice-presidente, general da reserva Hamilton Mourão (Republicanos), riu da possibilidade de uma investigação sobre as torturas cometidas por militares durante a ditadura. Ele conversou hoje com jornalistas na entrada do Palácio do Planalto.
Mourão foi questionado sobre áudios, divulgados ontem pelo blog de Miriam Leitão no jornal O Globo, que mostram sessões do STM (Superior Tribunal Militar). Nas gravações, a opinião dos ministros não é unânime. Enquanto alguns dizem que as denúncias de torturas devem ser apuradas, outros duvidam da palavra dos acusados.
"Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. [risos]. Vai trazer os caras do túmulo de volta?", afirmou Mourão, rindo. Não ficou claro se ele se referia aos torturadores ou aos ministros do STM, ao dizer que eles já morreram.
De acordo com o historiador Carlos Fico, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o STM gravou as sessões de 1975 a 1985. São 10 mil horas de áudio. As gravações foram obtidas por meio de decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) em 2015.
História, isso já passou, né? A mesma coisa que a gente voltar para a ditadura do Getúlio. São assuntos já escritos em livros, debatidos intensamente. Passado, faz parte da história do país.
General da reserva Hamilton Mourão, vice-presidente da República
Mourão costuma defender o golpe militar de 1964, que resultou na instauração de uma ditadura no Brasil. No mês passado, ele escreveu na rede social que "em 31 de março de 1964 a Nação salvou a si mesma".
O Brasil viveu os momentos mais duros da sua história recente na época da ditadura militar, que durou 21 anos, entre 1964 e 1985. O período foi marcado por torturas e ausência de direitos humanos, censura e ataque à imprensa, baixa representação política e sindical, precarização do trabalho, além de uma saúde pública fragilizada, corrupção e falta de transparência.
Ontem, em sua conta no Twitter, o senador Humberto Costa, (PT-PE), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, disse que pedirá acesso aos áudios de sessões do STM.
"Essas revelações mostram que o trabalho com o nosso passado mal começou. A Comissão da Verdade foi um grande passo. Mas ainda há um enorme caminho a percorrer. Por isso, a Comissão de Direitos Humanos do Senado pedirá acesso aos áudios e tomará as devidas providências."
Conteúdo dos áudios
Os áudios inéditos foram analisados pelo historiador Carlos Fico, da UFRJ, antes de serem divulgados.
"A exposição das gravações em que ministros do STM admitem tortura é uma assunção cabal do Estado sobre tudo o que cometeu durante o regime militar. É especialmente sensível receber todo esse relato pela escrita de uma mulher tão seviciada pela ditadura como foi Miriam Leitão", escreveu Costa, relembrando as torturas sofridas pela jornalista no período em que foi presa.
"Quando as torturas são alegadas e, às vezes, impossíveis de ser provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente", disse o ministro Waldemar Torres da Costa, em um dos trechos.
"Eu não me recuso a me convencer dessas torturas, mas exijo que essa torturas tragam uma prova e não fiquem apenas no terreno da alegação. Reconheço, senhores ministros, que também é difícil o indivíduo provar as torturas pela maneira como é feita", acrescentou.
Em outra parte, o almirante Julio de Sá Bierrenbach diz que a prática é inadmissível. "O que não podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha a sua integridade física atingida por indivíduos covardes, na maioria das vezes, de pior caráter que o encarcerado", diz.
"Senhores ministros, já é tempo de acabarmos de uma vez por todas com os métodos adotados por certos setores policiais de fabricarem indiciados, extraindo-lhes depoimentos perversamente pelos meios mais torpes, fazendo com que eles declarem delitos que nunca cometeram, obrigando-os a assinar declarações que nunca prestaram", diz o almirante durante sessão do STM em 1976.
A opinião dos ministros não é unânime. Enquanto alguns dizem que as denúncias devem ser apuradas, outros duvidam da palavra dos acusados. O brigadeiro Faber Cintra, em áudio de 1978, diz que não se pode investir contra a dignidade das funções policiais "sem o menor resquício de elemento probatório, confiando pura e simplesmente na palavra dos acusados".
Em trecho de 1977, o advogado Sobral Pinto, famoso por defender perseguidos políticos durante a ditadura, contesta quem não acredita na tortura.
"Os senhores ministros não acreditam na tortura. É pena que não possam acompanhar os processos como um advogado da minha categoria acompanha para ver como essa tortura se realiza permanentemente", diz.
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