Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que o pastor Milton Ribeiro, ex-ministro de Bolsonaro, anda armado?

Colunista do UOL

26/04/2022 15h25

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Milton Ribeiro, o pastor escolhido por Jair Bolsonaro para chefiar a Educação, deu um tiro no aeroporto de Brasília, nesta segunda (25). Alega ter sido acidental. O caso levanta uma pergunta, mas antes, algumas constatações.

Seria cômodo afirmar que o mesmo país que deixa uma pessoa sem perícia portar uma arma é o que permite um incompetente comandar a educação. Mas ele é segundo tenente da reserva da Infantaria do Exército e, por isso, deve ter tido algum treinamento. E foi sim eficaz no ministério. Não para a maioria da população, mas para o bolsonarismo, pois cumpriu à risca a tarefa que lhe foi entregue: conduzir um projeto de desconstrução nessa área e garantir acesso aos recursos dela aos aliados do presidente.

Quando ainda estava no cargo, Ribeiro defendeu que é "impossível a convivência" com crianças com deficiência em escolas porque elas "atrapalham" o aprendizado das demais. E que a homossexualidade é fruto de "famílias desajustadas". Também ajudou a transformar o Enem em um campo de batalha da guerra cultural, tumultuando a vida de estudantes do ensino médio com interferência no conteúdo abordado nas provas.

Mesmo com os problemas administrativos e gerenciais, o sucateamento e a falta de apoio para a formação dos profissionais, os salários baixos e atrasados, os planos de carreira risíveis, a ausência de infraestrutura, de material didático, de merenda decente, de internet, de segurança para se trabalhar, o atraso educacional das crianças pobres causado pela pandemia e que será perpetuado pela falta de planos de recuperação decentes por parte do poder público, o ministro tinha tempo de alegrar o bolsonarismo alertando para o "marxismo" no ensino brasileiro.

E, sob Ribeiro, o ministério também se tornou um caixa eletrônico de aliados do presidente.

Uma gravação, veiculada pela Folha de S.Paulo, mostrou o ministro dizendo que priorizaria a liberação de verbas públicas para "amigos" dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura a pedido de Bolsonaro. Após isso, prefeitos vieram a público denunciar a cobrança de pedágio em barras de ouro ou através de compras de bíblias para garantir acesso ao bilionário Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.

Desde que Ciro Nogueira (PP) assumiu como ministro, a Casa Civil se tornou o único destino no Palácio do Planalto das visitas dos pastores, que frequentavam a sede do Poder Executivo desde 2019. Um ex-assessor de Nogueira, Marcelo Ponte, é o presidente do fundo.

Também vieram denúncias de que recursos da educação estavam envolvidos em escândalos de sobrepreço sob Ribeiro.

Prefeituras de municípios com escolas sem água e internet de Alagoas compraram kits de robótica de uma empresa que lucrou 420% com cada unidade. Adquiriu por R$ 2,7 mil, vendeu por R$ 14 mil. Os donos da empresa são próximos de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e os prefeitos beneficiados com R$ 26 milhões em compras estão sob a sua esfera de influência.

O Tribunal de Contas da União (TCU) viu indícios de sobrepreço na licitação de quatro mil ônibus rurais escolares pelo Ministério da Educação, o que poderia fazer com que os veículos custassem até R$ 732 milhões a mais. Suspendeu o certame após denúncia trazida pelo jornal O Estado de S.Paulo mostrar que pessoas ligadas a Ciro Nogueira (PP) e Valdemar da Costa Neto (PL) deram aval para a licitação bichada. O temor da procuradoria era o sobrepreço virar caixa 2 nas eleições.

É mais fácil transformar o MEC em caixa eletrônico visando ao fortalecimento de bases para a reeleição ou em tablado para a guerra cultural do que enfrentar problemas reais, como a falta de internet, de lousa, de esgoto, de água potável, de papel higiênico nas escolas. Contradição que, certamente, seria abordada em uma CPI do MEC, defendida pela oposição no Senado Federal.

O disparo pode ter sido um acidente. Milton Ribeiro, não, pois suas ações não foram incidentais, mas deliberadas.

Diante de tudo isso, a pergunta: por que o ex-ministro andava armado?

Seus representantes afirmaram, em nota, que o disparo "ocorreu enquanto ele deixava seu apartamento funcional, em Brasília, durante processo de mudança para São Paulo". Ou seja, alega que a arma estava sendo transportada de lugar.

Mas diante de tudo o que aconteceu com ele nos últimos tempos, envolvendo tantos interesses, a pergunta precisa ser feita de outra forma: por que o ex-ministro, que sabe demais, anda armado?