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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que 36% não creem em Bolsonaro quando ele avisa que tentará um golpe?

Colunista do UOL

28/05/2022 09h06

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A maioria dos brasileiros conhece tão bem o presidente da República que sabe que ele pode levar a democracia para o lixo e que, diante disso, as instituições não podem ficar em silêncio.

Mas esse não é o dado mais impressionante deste capítulo do último levantamento do Datafolha, mas o fato de pouco mais de um terço da população ainda considerar bravata quando ele mesmo avisa que pode não respeitar mais ordens judiciais nem reconhecer o resultado da eleição. E sistematicamente ter dado provas de que não está brincando.

Lembrando que não são precisos tanques e soldados desembestando pelas rodovias, basta o presidente deixar de obedecer aos outros poderes para termos um golpe de Estado.

De acordo com o levantamento, mais da metade (56%) afirma que os ataques de Jair Bolsonaro ao STF e ao TSE e suas ameaças sobre as eleições devem ser levados a sério pelas instituições do país. Outros 36%, mais otimistas, dizem que suas ações e declarações não trarão consequências.

O número de eleitores de Lula que acha que ele está falando sério é da mesma monta do número dos eleitores de Bolsonaro, ou seja, 57%. A questão é identificar quem está preocupado com as ameaças e quem está confiante nelas.

Ao mesmo tempo, como já alertei aqui baseado em dados de outros institutos de pesquisa, Jair plantou tantas mentiras sobre a urna eletrônica que está pronto para colher o caos nas ruas em outubro, caso perca as eleições.

O Datafolha de maio aponta que 73% dos entrevistados confiam nas urnas eletrônicas frente a 82% em março. Enquanto isso, 24% afirmam não confiar, sendo que estes eram 17% há dois meses. A margem de erro é de dois pontos.

Bolsonaro vem fazendo uma intensa campanha contra o sistema eletrônico de votação, acusando-o de fraude, apesar de nunca ter apresentado prova disso. Seu comportamento, gastando mais tempo tentando convencer os eleitores de que haverá uma fraude em outubro do que combatendo a inflação, explica a quantidade de brasileiros que desconfiam da urna.

E as consequências disso podem ser mais duradouras do que o próprio mandato de Bolsonaro. Nos Estados Unidos, o então presidente Donald Trump atacou o sistema eleitoral, acusando-o de fraude. A desconfiança plantada pelo republicano empurrou milhares de seus seguidores a invadir o Congresso em 6 de janeiro de 2021, ação que terminou com cinco mortos e feridos.

Quase um ano depois, uma pesquisa da Universidade de Massachusetts Amherst e do Instituto YouGov apontava que 22% dos eleitores acreditavam que a vitória de Joe Biden havia sido certamente ilegítima e 11% provavelmente ilegítima, enquanto 46% apontavam que ela foi com certeza legítima e 12% provavelmente legítima.

Dentre os republicanos, ou seja, 71% desconfiavam da legitimidade da eleição de Biden. Donald Trump conseguiu, dessa forma, plantar a dúvida sobre o sistema eleitoral de seu país, fraturando uma de suas mais antigas instituições junto àqueles que votaram nele. Garantiu, a um custo altíssimo para a República, um terreno político adubado para manter seus seguidores e se candidatar novamente em 2024.

Bolsonaro segue o mesmo caminho. Pode não ter sucesso se, perdendo as eleições em outubro, tentar um golpe eleitoral (preocupação dos 56% de brasileiros citados acima), mas irá fraturar ainda mais as instituições ao usar a urna eletrônica como justificativa para não reconhecer o resultado.

Do seu ponto de vista, isso pode ajudar a questionar a legitimidade do governo de outro presidente eleito, como Lula, a manter seus fãs mobilizados para voltar ao Palácio do Planalto quatro anos depois ou, ao menos, dificultar sua ida para a cadeia por um dos vários crimes que cometeu antes e durante o mandato.