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Juventus da Mooca pode ter história centenária enterrada com criação de SAF

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O Clube Atlético Juventus, conhecido como "Juventus da Mooca", enfrenta um dos maiores desafios de sua história de quase 100 anos. Está na pauta de deliberações de sócios e conselheiros a criação do Juventus Sociedade Anônima de Futebol (SAF).
Com a SAF, tudo relativo ao futebol é transferido a uma nova pessoa jurídica: o clube tem uma participação mínima de 10% nas ações da nova sociedade e as demais são negociadas entre compradores, pessoas físicas, na bolsa de valores, a depender do modelo escolhido.
Então, para deixar claro: sai de cena o clube associação civil - reunião de pessoas com um objetivo comum, onde as decisões são coletivas e definidas em eleições - e entra em cena a sociedade anônima de futebol, uma empresa. Saem os sócios e os torcedores; entram os acionistas.
Na prática, significa a venda definitiva do futebol, que deixa de ser do clube, ou seja, dos sócios e torcedores, e passa a ser um ativo de acionistas, que podem investir ou não em equipes para campeonatos, ou só fazer especulação e usar a SAF para balcão de compra e venda de jogadores da base. Os acionistas - os 90% que não são o clube - decidirão.
O mito da SAF é de que ela é sinônimo de sucesso, profissionalismo, eficiência no futebol. Balela. Transformar o futebol de um clube em SAF significa apenas que seus ativos (jogadores, formação de atletas, funcionários e estrutura) serão manejados para dar lucro aos acionistas. Só isso.
Aliás, por vezes significa o contrário de sucesso: os malefícios da relação capital-futebol são bem conhecidos: lavagem de dinheiro, sonegação e corrupção são denúncias constantes nas empresas de futebol. SAF não é remédio para todo mal; aliás, pode ser um mal em si.
Isso só torna a tentativa de transformar o Juventus em SAF ainda mais trágica. O clube e o time têm origem operária, assim como o bairro da Mooca. Trabalhadores das primeiras indústrias de São Paulo reunidos para construir algo comum.
O Juventus da Mooca é querido em todo canto do país. Visitar a Javari é programa de torcedor fiel e de quem apenas está de passagem. A camisa grená gera simpatia instantânea em todo canto.
Esperem que se torça para uma empresa como se torce para um clube?
Essa é uma boa pergunta: o que nos leva a torcer por um time? Certamente não é o lucro que ele dá aos acionistas. Torcemos para um clube porque é nosso, fazemos parte. É coletivo.
Há uma dimensão popular no futebol que morrerá com a SAF. Transformar um patrimônio lindo e autêntico da cidade em brinquedinho de milionário é um triste e ingrato fim para o meu querido Juventus da Mooca.
É verdade, o clube enfrenta dificuldades. Tem dívidas, sobretudo oriundas do período da pandemia, mas está se reequilibrando aos poucos e pode dar conta. Precisa melhorar, precisa planejar melhor. Porém, não é fazendo um mau negócio que a situação vai ser resolvida.
E não é só uma questão de princípio. Há muitos argumentos pragmáticos e jurídicos que mostram que a SAF é um mau negócio.
A venda do futebol está sendo negociada por valor irrisório. Os ativos foram subavaliados. O negócio sequer permitirá ao clube quitar suas dívidas imediatamente ou aproveitar os prometidos benefícios da lei da SAF. E perderá o futebol para sempre.
Pudera. Ouvi de anti-conselheiros que, se pudessem, davam o futebol de graça. Outros já se imaginam sentados no futuro conselho administração da SAF.
Força, Juve.
(*) Eloísa Machado é advogada constitucionalista, membro do CADHu (Coletivo de Advogados de Direitos Humanos) e sócia do Juventus.