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Bolsonaro usa embaixadores em show de horror sobre urnas para engajar fãs
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O presidente Jair Bolsonaro armou um show de horror em formato stand up, nesta segunda (18), para contar lorotas a respeito da urna eletrônica e atacar instituições. O público-alvo não são os embaixadores estrangeiros, convidados apenas para garantir credibilidade ao espetáculo, mas seu eleitorado. Melhor faria se reunisse moradores da periferia de Salvador ou Belo Horizonte a fim de explicar por que não conseguem mais comprar leite, que chega a macabros R$ 10 em alguns locais.
Como Bolsonaro já é considerado um pária global por conta de sua política anti-ambiental, a micareta com os representantes estrangeiros deve produzir um arranhão em uma panela amassada e esburacada. Mas eles não são o alvo principal, e sim o público interno, tal como aconteceu com seus discursos histriônicos nas Nações Unidas.
Embaixadas já disparam às suas capitais telegramas sobre as teorias conspiratórias de Bolsonaro há tempos e o mundo recebe cobertura de correspondentes sobre as mentiras a respeito do nosso sistema de votação - que nunca deu chabú. Podem ouvir respeitosamente o mandatário, mas não são otários.
Com exceção de países com governos que operam na mesma frequência de Jair, sabe-se lá fora que o brasileiro está copiando os passos de Donald Trump e sua tentativa de golpe (com a diferença que, aqui, há militares com discurso golpista no poder). Ou seja, as análises que vão surgiu no exterior sobre o assunto levarão em consideração o interesse dele de colocar a eleição em suspeição para poder melar se tudo der errado.
Desde que anunciou que faria o evento, o presidente conseguiu produzir farta mídia espontânea e gratuita, ocupando espaço de veículos de comunicação tradicionais. Com isso, reduz-se a atenção sobre a inflação do preço do feijão, do pão francês e do leite - que já está sendo substituído por água (contaminada com agrotóxico, claro) na mesa dos brasileiros.
Ao mesmo tempo, Jair mostra a seu público que denuncia ao mundo um golpe em curso perpetrado pela oposição e pela Justiça Eleitoral enquanto é ele quem está construindo um golpe não apenas para não reconhecer o resultado das urnas, caso perca, mas também para reduzir o respeito pelas decisões judiciais na campanha.
Além de servir como uma excelente cortina de fumaça para os problemas reais, os ataques à urna eletrônica, mas também ao Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal, vão corroendo a credibilidade das instituições internamente.
Se um marciano descesse em um disco voador nestes dias acharia que o maior inimigo do Brasil não é a inflação, a fome, o desemprego, o endividamento, mas uma caixinha de plástico branco, com uma pequena tela e teclas numéricas e um botão verde escrito "confirma". Porque a maior parte da energia do presidente é gasta para demonizar a caixinha, bem como as instituições que a protegem.
A situação da inflação deve melhorar um pouco na época das eleições, apesar dos R$ 600 do novo Auxílio Brasil não comprarem uma cesta básica na maior parte do país, segundo levantamento do Dieese. Com isso, Jair Bolsonaro vai adotar o discurso que essa melhora foi a prova de que ele venceu os problemas da economia e que precisa de mais quatro anos para fazer o Brasil crescer. Por mais que tenha armado uma bomba que irá explodir no ano que vem.
Como sempre tem um chinelo velho para um pé cansado, a mentira colará com muita gente. Ele não precisa que seja com todos, apenas com o bastante para ir ao segundo turno.
Mas se os aumentos estarão mais contidos, os preços em si permanecerão em um patamar tão alto que fica imprevisível saber quantas pessoas vão cair no caô presidencial, esquecer o inferno pelo qual passaram e votar nele. Quantos milhões carregarão dívidas para a cabine de votação? Dívidas que, até as eleições, terão se transformado em monstros, lembrando que o presidente é corresponsável pelo pesadelo.
Num país em que lanchonetes vendem sanduíche de picanha sem picanha e de costela sem costela, faz todo o sentido que o presidente eleito através da urna eletrônica não confie na urna eletrônica. Jair Bolsonaro já deixou claro que fraudulento é todo sistema de votação que não o aponte como vencedor.
Não à toa, portanto, os participantes de suas micaretas golpistas terem, em nome da liberdade de expressão, exigido o fechamento do STF, a prisão dos ministros do TSE e, claro, um novo AI-5. Afinal, querem liberdade para todos, menos aqueles que discordam de sua verdade.
É paradigmático, contudo, que nenhum deles, seja o presidente, seja os seus seguidores tenha exigido um Brasil em que picanha seja picanha, costela seja costela, democracia seja democracia e que leite não seja produto de luxo. Um Brasil que não ameace o TSE e o STF com uma surra de gato morto.