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Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

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Em oito pontos, por que o 'RadioGate' é cortina de fumaça de Bolsonaro

Colunista do UOL

26/10/2022 15h35

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A campanha do presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores estão insistindo que rádios brasileiras deixaram de exibir inserções de sua propaganda em uma grande conspiração, com Lula, com TSE, com tudo. A narrativa ganhou as redes após o ex-deputado Roberto Jefferson, aliado de Bolsonaro, tentar matar dois policiais federais neste domingo (23).

Essa denúncia de "conspiração" se junta a outras duas feitas pelo presidente: a que envolve urnas eletrônicas (ele acusa o sistema eletrônico de votação de fraude sem apresentar provas) e a que trata de pesquisas eleitorais (Bolsonaro defende, também sem provas, que os resultados foram manipulados para prejudicá-lo).

O presidente sugere, com base nelas, que pode não aceitar a derrota, caso perca a eleição. Mais do que isso, o chamado "RadioGate" já está sendo usado pela campanha bolsonarista para defender o adiamento do segundo turno. No momento, a maioria das pesquisas eleitorais tem mostrado que a diferença entre Lula e Bolsonaro tem se mantido entre cinco e oito pontos, preocupando seus aliados.

O barulho provocado pelo caso das rádios também ajuda a desviar o foco, junto ao público do presidente, da prisão de um dos políticos bolsonaristas que mais defendeu a ideologia pregada pelo presidente. Jefferson deu 50 tiros de fuzil e jogou três granadas contra uma equipe da Polícia Federal quando os agentes tentavam levá-lo de volta para a cadeia por desrespeitar as condições de sua prisão domiciliar.

Bolsonaro citou hoje o caso de um ex-servidor do TSE que, após ser exonerado, deu depoimento à PF dizendo que uma rádio denunciou que faltaram inserções de Bolsonaro. O tribunal divulgou nota acusando o servidor de mentir, afirmando que a demissão ocorreu por assédio moral de motivação política e que ele está apenas tentando se blindar de um futuro processo que será instaurado contra ele.

A coluna conversou com advogados eleitorais e técnicos da Justiça Eleitoral que explicaram, em oito pontos, por que a tentativa de imputar responsabilidade sobre a campanha de Lula e sobre o Tribunal Superior Eleitoral é cortina de fumaça do bolsonarismo e que as "evidências" apresentadas até agora não se sustentam:

1) A acusação presume que há uma grande conspiração de centenas de donos de rádio se reunindo contra Bolsonaro. O que é grotesco porque demandaria um segredo bem guardado envolvendo dezenas de milhares de pessoas, típico das grandes teorias da conspiração.

2) Programas de candidatos deixarem de ser exibidos em rádios é, infelizmente, muito comum e não apenas nesta eleição. Muitos proprietários de rádios sabem que a fiscalização é difícil por depender das próprias candidaturas e simplesmente ignoram o material das campanhas.

3) Aliás, é importante frisar: é responsabilidade das campanhas entregarem o material a ser divulgado e, depois, realizarem o monitoramento para verificar se as rádios estão ou não veiculando suas inserções. Ou seja, são os candidatos que precisam ficar atentos, não o TSE.

4) A Justiça Eleitoral, diante de provas entregues pelos advogados das campanhas, tem determinado que a rádio infratora veicule o que deixou de passar em outros dias.

5) A responsabilidade pela não-exibição é das rádios e seus gestores e proprietários, a menos que as campanhas provem que houve o tal complô citado no item 1.

6) Mas as campanhas prejudicadas não podem fazer "armazenamento tático". Ou seja, não podem perceber que há uma falha na exibição, esperar semanas e a poucos dias da eleição pedir para passar centenas de inserções a mais. Entende-se, pela jurisprudência, que são 48 horas para reclamar.

7) É uma falácia fazer o levantamento de algumas rádios específicas e dizer que, no Brasil inteiro, foi assim. Pelo que advogados que atuaram em campanhas presidenciais e estaduais informam à coluna, esse é um problema que acontece com todos os candidatos.

8) Nem um problema grave e palpável de abuso econômico, como a tentativa de compra de votos e assédio eleitoral por mais de mil empresários bolsonaristas, segundo denúncias coletadas pelo Ministério Público do Trabalho, levaria ao adiamento do segundo turno, quanto mais a não-exibição em rádios por responsabilidade das rádios.