Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Pacificação do Brasil passa por punir Bolsonaro pelos crimes que cometeu
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Sob a justificativa de "pacificar" o país, a turma que faltou às aulas de História já propõe um arranjo para não punir Jair Bolsonaro pelos crimes que cometeu ou pior: que Lula dê um perdão ao antecessor em um gesto de boa vontade. A piada de mau gosto - que circulou até dentro do PT - quer ignorar que a última grande anistia adubou o golpismo que encaramos hoje.
O apelo para que ele pague por tudo o que deve não é vingança, nem revanchismo. Tampouco é parecido com o projeto de sociedade miliciana defendido pelo bolsonarismo, onde a Justiça é trocada pelo justiciamento. Na qual a mediação dos conflitos pelas instituições é substituída pela possibilidade de cada um resolver seus problemas na base da força.
Pelo contrário, o cidadão Jair Bolsonaro precisa ser denunciado, processado, julgado e punido, com todo o direito à defesa, assim que perder o seu foro privilegiado e os amigos que o sustentam no poder.
Boa parte de seu empenho para vencer a reeleição foi fruto da percepção de que a perspectiva do xilindró era real. Da mesma forma, a incitação de seus seguidores para que realizem atos golpistas neste momento também ajuda a aumentar o custo de sua prisão no ano que vem. É triste, mas parte do processo político brasileiro gira em torno do medo de Bolsonaro em ir para a cadeia.
Razões para tanto não faltam. Por exemplo, temos acusações de roubo de dinheiro público através do desvio de recursos de servidores de seu gabinete quando parlamentar (as chamadas "rachadinhas"). O esquema, como mostrou Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, no UOL, envolveria a compra de 51 imóveis com dinheiro vivo por membros de sua família. Com ele fora da Presidência, o caso pode finalmente andar.
Além disso, temos os crimes que ele cometeu durante a pandemia e que foram apontados no relatório final da CPI da Covid, como prevaricação, epidemia com resultado de morte, emprego irregular de verba pública, charlatanismo, crime contra a humanidade. Destaque especial para a divulgação de mentiras sobre a doença, como a que ligaria as vacinas ao desenvolvimento de Aids.
Temos casos de corrupção envolvendo os pastores Gilmar Santos e Arílton Moura, protegidos por ele, que chegaram a pedir propina em barras de ouro e bíblias para dar acesso ao caixa do Ministério da Educação. Após o escândalo vir a público e o ministro Milton Ribeiro (que reconheceu em gravação que a prioridade aos pastores era um pedido de Bolsonaro) demitir-se do cargo, o presidente ainda ligou para o ex-assessor para avisar da operação da Polícia Federal. O que é, claro, ilegal.
Corre também inquérito para verificar se ele interferiu politicamente na Polícia Federal, aberto após as denúncias do seu ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, de que Jair estava usando a corporação para proteger familiares, aliados e a si mesmo. Moro havia brigado com ele e, depois, para conseguir ser eleito senador pelo Paraná, ficou amiguinho de novo.
Bolsonaro também é alvo de um inquérito que investiga as milícias digitais voltadas a atacar instituições democráticas e de outro inquérito que apura o vazamento de dados sigilosos de uma investigação da própria PF. Sem contar as ações penais por incitação ao estupro e injúria contra a deputada federal Maria do Rosário.
Ou seja, motivo para o xilindró não falta.
Parte da capivara de Bolsonaro é de crimes de responsabilidade cometidos durante o mandato. Eles poderiam ter levado ao impeachment, mas o presidente fechou um acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o centrão. Teve o pescoço salvo em nome dos bilhões do orçamento secreto.
Ao mesmo tempo, Jair teve um fiel escudeiro na Procuradoria-Geral da República, que o protegeu de denúncias criminais ao STF. Augusto Aras estava de olho em uma cadeira de ministro do Supremo e fez o que foi necessário por ela. Agora, sem os amigos, fica mais difícil para o cidadão Bolsonaro fugir da Justiça.
Jair sabe que a chance de ser preso é grande
O presidente sempre demonstrou medo de ser preso ao longo de seu mandato. Seus comentários sobre isso não eram apenas estratégia para deixar seus seguidores prontos para quando ele os chamasse às ruas em atos golpistas - como de fato fez. É o seu inconsciente gritando que há uma assombração rondando seu sono - e, definitivamente, não é o "fantasma do comunismo".
Durante visita a Orlando, nos Estados Unidos, no dia 11 de junho, por exemplo, ele se comparou novamente à ex-presidente da Bolívia, Jeanine Añes, condenada por um golpe de Estado em 2019 no dia anterior. Ela estava presa há 15 meses e sendo julgada junto com ex-chefes militares.
Bolsonaro poderia ter se comparado a qualquer estadista com grandes feitos. Preferiu uma pessoa acusada e sentenciada por golpe de Estado. Pelo menos, temos que admitir que a autocrítica do presidente falou mais alto que seus delírios de grandeza.
"A turma dela perdeu, voltou a turma do Evo Morales. O que aconteceu um ano atrás? Ela foi presa preventivamente. E agora foi confirmado dez anos de cadeia para ela", disse. E foi além: "Qual a acusação? Atos antidemocráticos. Alguém faz alguma correlação com Alexandre de Moraes e os inquéritos por atos antidemocráticos? Ou seja, é uma ameaça para mim quando deixar o governo?"
Ele já havia citado Jeanine pelo mesmo motivo em 27 de abril e em junho de 2021, mostrando ser um prato cheio para um psicanalista.
Detalhe que o presidente citou os atos antidemocráticos, alvos de uma investigação em trâmite no Supremo Tribunal Federal que está nas mãos da pessoa na República que ele mais teme, o ministro Alexandre de Moraes.
O medo de ser preso não é de hoje, mas há algum tempo aliados do governo vêm buscando formas de protegê-lo caso o "mito" perca o mandato e, com isso, o foro privilegiado.
Daí, surgiram ideias estapafúrdias, como garantir um cargo de senador vitalício a ele ou tentar fazer um acordão, com Supremo, com tudo, para que ele não vá para o xilindró por decisão de algum juiz de primeira instância se voltar a morar no condomínio Vivendas da Barra.
Desde que Bolsonaro perdeu a eleição, tivemos duas pessoas que estavam celebrando a vitória de Lula mortas por um bolsonarista em Belo Horizonte, uma criança de sete anos estrangulada por outro por ter dito "Lula lá", jovens espancados em um ônibus por golpistas que protestavam em frente a um quartel, adolescentes bolsonaristas afirmando em grupos que iriam pegar armas dos pais para matar Lula, golpistas atacando com violência uma peça infantil (talvez por não a entenderem) em Porto Alegre. Isso sem contar os bloqueios criminosos em estradas de todo o país, financiados por empresários.
Venho repisando aqui que todos esses casos precisam ser punidos sob o risco de a percepção de liberdade de atacar a democracia e agredir pessoas que pensam diferente seja vista como autorização para violência política. Mas as punições não podem ficar apenas aos seguidores, mas alcançar os líderes. E isso nos devolve ao hoje presidente.
Em nossa hora mais escura, Bolsonaro foi sim um general - pena que guerreou em nome do inimigo permitindo a morte de quase 690 mil brasileiros e a fome de 33 milhões. Se ele não for punido pelo que fez e deixou de fazer, como a Justiça terá moral de condenar qualquer cidadão que cometeu crimes menos graves que os dele?