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Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

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Juiz que deixou golpista armar a barraca em quartel liberou bar na pandemia

Golpistas choram enquanto guarda municipal desmonta acampamento em frente ao Exército em Belo Horizonte - Reprodução
Golpistas choram enquanto guarda municipal desmonta acampamento em frente ao Exército em Belo Horizonte Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

07/01/2023 16h34

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O mesmo juiz que autorizou um empresário golpista a armar sua barraca em frente a um quartel em Belo Horizonte, horas após a prefeitura ter removido o protesto, também determinou a reabertura de bares e restaurantes em meio à primeira onda de covid-19 em julho de 2020. Ambas as posições estão em consonância com Jair Bolsonaro.

Contudo, a decisão durou pouco porque o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, a pedido da prefeitura da capital mineira, anulou a liminar, neste sábado (7), mandou desobstruir a área e ainda multou os autores da ação em R$ 100 mil.

A liminar do magistrado Wauner Batista Ferreira Machado havia acatado o pedido de Esdras Jonatas dos Santos, apontado como um dos líderes do acampamento. Nesta sexta, durante a remoção do acampamento, bolsonaristas agrediram jornalistas com socos e pontapés.

"É de uma nitidez solar que é livre a manifestação do pensamento, em local público, de forma coletiva, sem restrições e censura prévia, respeitadas as vedações previstas, sob a responsabilidade dos indivíduos pelo excesso, é intocável", afirmou.

A questão é que atacar o Estado Democrático de Direito faz parte das "vedações previstas". O artigo 286 do Código Penal afirma que comete crime passível de prisão "quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade".

Também preveem prisão o artigo 359-L ("tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais") e o 359-M ("tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído").

Em 4 de novembro, o próprio Alexandre de Moraes, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral, reforçou a crítica a ações como a de Esdras dos Santos. "Sob o manto da liberdade de expressão, querem atacar a democracia", resumiu.

Mas não é a primeira vez que o juiz Wauner Batista Ferreira Machado profere uma decisão polêmica alinhada ao bolsonarismo.

Os argumentos que ele usou para atender o pedido da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, em julho de 2020, a fim de reabrir os estabelecimentos em plena pandemia, estavam alinhados àqueles que Jair Bolsonaro repetia para pressionar a sociedade a ignorar a pandemia e voltar à vida normal.

"O prefeito [de Belo Horizonte na época, Alexandre Kalil], paradoxalmente, exerce a tirania de fazer leis por decretos, ao bel prazer dele e de seus técnicos da saúde, sem qualquer participação dos cidadãos através de seus parlamentares, como se fossem os únicos que detivessem os dons da inteligência, da razão e da temperança e não vivessem numa democracia", afirmou o juiz na época.

Ao contrário do que ele diz, a decisão de fechar bares e restaurantes estava embasada cientificamente, contava com o apoio de associações de infectologistas, pneumologistas e epidemiologistas e da Organização Mundial de Saúde. O STF também garantiu que prefeituras e governos estaduais pudessem tomar decisões para proteger a saúde pública.

Ele ainda atacou a imprensa na mesma decisão: "Parece que a maioria está cega pelo medo e o desespero, que diariamente lhe é imposta pela mídia com as suas veiculações". O presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador Gilson Soares Lemes, cassou a liminar dois dias depois.

Ainda está em nome do juiz Wauner Batista Ferreira Machado a negativa de um pedido do Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos de Belo Horizonte, que havia solicitado à Justiça que a administração municipal afastasse imediatamente do trabalho os profissionais de saúde idosos ou imunodeprimidos em abril de 2020.