Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Para 80%, Lula acerta em bater em juros. Faria Lima vai chamá-los de burro?
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Durante semanas, analistas e economistas disseram que o Brasil repudia as críticas públicas que Lula vem fazendo contra os juros altos mantidos pelo Banco Central. Agora, o Datafolha reforça que as fontes dos tais analistas e economistas para falar em nome do povo eram as vozes em suas cabeças. Ou seu desejo íntimo de que o país compartilhasse de suas crenças.
De acordo com o instituto, a esmagadora maioria da população (80%) apoia a pressão de Lula sobre o Banco Central pela redução dos juros, enquanto apenas 16% torcem o nariz para isso. E 71% acreditam que os juros estão mais altos do que deveriam, 17% dizem que estão adequados e 5%, mais baixos do que o necessário.
Aliás, onde vivem, o que comem e como se reproduzem esses 5%. Tá faltando um Globo Repórter sobre a Faria Lima.
Apesar de Lula alcançar seus maiores patamares entre aqueles que nele despejaram votos em peso (pobres, negros, poucos anos de estudo), as taxas de apoio a ele e repúdio aos juros são altas mesmo entre os que têm ensino superior, empresários e brancos. Ou entre os eleitores de Jair Bolsonaro.
Teremos gente dizendo que os entrevistados "não entenderam a pergunta da pesquisa" ou "não compreenderam o impacto negativo de suas opiniões" e que "trata-se de assunto complexo, distante da população". O DNA dessas justificativas é o mesmo de "os brasileiros não sabem votar" ou ainda "o povo não sabe o que é melhor para eles".
Em suma, o povo é burro e precisa ser tutelado. E a democracia, que dá à população o direito de fazer suas escolhas e arcar com as consequências, é algo superestimado. Ai, que saudades do Jair e do Guedes, não é mesmo?
Não à toa, há no mercado financeiro brasileiro quem ostenta um pôster de nu frontal do general Augusto Pinochet, ex-ditador do Chile, em seu quarto. O carniceiro entregou a economia a neoliberais, garantindo que críticas fossem caladas na base da tortura, do desaparecimento e do assassinato.
Nas últimas semanas, críticas à política de Roberto Campos Neto à frente do Banco Central (que vem agindo como ator político e não técnico, chantageando o governo para que ele divulgasse novas regras fiscais, e que elas fossem do seu agrado) foram tratadas como coisa de ignorante por parte de autointitulados arautos da iluminação.
Apesar de existir na economia diferentes correntes de pensamento, apresentando diferentes maneiras de enfrentar um problema, os arautos bradavam que "ciência" era a deles. O resto, truque vagabundo de mágica. Ou seja, com inflação, subam-se os juros, ignorando que respostas podem ser mais complexas que isso.
Membros da mesma elite que vocifera contra o aumento do salário mínimo acima da inflação, dizendo que a economia não aguenta, são os que defendem os juros altos do Banco Central, justificando-se que é pelo bem dos mais pobres. Aliás, seria ótimo que jornalistas e consultores que vem chamando de burro quem pede juros menores colocassem ao final de suas análises um disclaimer informando quanto têm em suas carteiras de investimento. Só por transparência.
O Datafolha ajuda a restaurar um pouco as coisas. Claro que pesquisa não é urna, caso contrário não seriam necessárias eleições. Mas a quantidade robusta das críticas aos juros e ao Banco Central em ambas respostas deveria servir, pelo menos, para baixar a arrogância dos que se veem como o caminho, a verdade e a vida, falando em nome daqueles que não lhes deram mandato para tanto.
Isso vai mudar o comportamento de Roberto Campos Neto? Não. Mas ajuda a proteger a política de ser criminalizada e relativiza o discurso do pensamento econômico único, que conta com bastante espaço e afeto na mídia.
Lula erra e exagera em vários momentos, merecendo ser criticado por conta disso. Mas é ele e não a Faria Lima quem tem mandato para falar em nome da população. E pelos números apresentados pelo Datafolha, o seu silêncio diante dos juros escorchantes seria encarado como um estelionato eleitoral.