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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Rastros do golpismo de aliados de Bolsonaro substituem o papel da delação

Jair Bolsonaro e Anderson Torres em evento em Brasília - 27.jun.2022 - Evaristo Sá/AFP
Jair Bolsonaro e Anderson Torres em evento em Brasília Imagem: 27.jun.2022 - Evaristo Sá/AFP

Colunista do UOL

09/05/2023 03h32

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"Quem quer dar um golpe jamais vai falar que vai dar." Foi com essa resposta assustadora que o então presidente Jair Bolsonaro reagiu quando José Luiz Datena, na TV Bandeirantes, em março de 2020, quis saber se ele daria um golpe. A frase continua válida após as tentativas de golpe executadas pelo bolsonarismo: "Quem quis dar um golpe jamais vai falar que tentou dar".

Mas às vezes, a "confissão" (ou a delação) vem na forma de rastros evidentes, quase como um pedido do inconsciente para ser pego - e, junto, pegarem o chefe. Por que o ex-ministro da Justiça Anderson Torres deixou uma minuta de um golpe de Estado no armário de casa? Por que o faz-tudo de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, e o amigão de Jair, o ex-major Ailton Barros, deixaram conversas golpistas capazes de serem recuperadas através de seus celulares?

Torres deu depoimento à Polícia Federal nesta segunda (8). Negou que tenha ordenado à PRF a colocação de barreiras em rodovias de regiões lulistas do Nordeste para tentar derrubar a votação do petista no segundo turno. E que tampouco pediu à PF da Bahia para ajudar na tarefa, como suspeita-se.

Sim, muito antes de as hordas vandalizarem o Palácio do Planalto, o Congresso e o STF, em 8 de janeiro, antes mesmo dos trancamentos de rodovias para tentar evitar a posse de Lula (que ocorreram sob vistas grossas da Polícia Rodoviária Federal), a primeira tentativa de golpe foi executada no dia 30 de outubro, quando a PRF, sob as ordens do próprio Torres e do diretor-geral, Silvinei Vasques, criou os bloqueios.

As justificativas dadas até agora sobre a minuta de golpe de Estado encontrada em sua casa, que daria poderes para as Forças Armadas intervirem no TSE e melarem a eleição, são como as dadas à polícia nesta segunda: estão longe de colar. A minuta continua sendo um dos elementos mais fortes dos ataques bolsonaristas contra a democracia e deve ter papel central na CPI do Golpe.

Recentemente, pudemos ler conversas sobre um golpe de Estado entre o ex-major Ailton Barros com Mauro Cid. Ambos estão presos e com os celulares apreendidos em meio à operação que investiga fraude em dados de vacinação. Nesta segunda, o coronel da reserva Élcio Franco, homem de confiança do governo, que foi colocado como secretário-executivo do Ministério da Saúde para ajudar o general Eduardo Pazuello, apareceu na história com áudio do celular de Barros.

Ele e Franco discutiram por áudios as possibilidades para um golpe de Estado, incluindo a mobilização de 1,5 mil militares a prisão do ministro Alexandre de Moraes. As conversas, que fazem parte dos áudios encontrados nos celulares apreendidos, foram divulgadas pela CNN Brasil.

Com os registros deixados por esses três militares próximos a Bolsonaro, as migalhas de pão vão chegando mais perto dele, que fomentou por anos uma tentativa de golpe de Estado, mas tenta se livrar do xilindró terceirzando as responsabilidades para quem é fiel a ele.

Um líder se sacrifica pelos seus. Jair, ao contrário, espera que seus aliados se sacrifiquem por ele. Todos, até agora, vêm mantendo a lealdade a um político conhecido por abandonar seus amigos na beira da estrada quando não lhes são mais úteis. Será que acham que, daqui a cinco anos, Bolsonaro vai lhes levar Marlboro da caixinha vermelha e uma marmita gostosa nos dias de visita? Perguntem para o ex-deputado Daniel Silveira, cujo perdão presidencial foi cancelado pelo STF, se ele lembra que o ex-deputado e hoje presidiário existe.

Delação é sempre importante e seria bem-vinda. Mas se ela não vier, os rastros deixados já deixam claro que os que um dia quiseram dar um golpe não ficaram passando vontade.