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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Brasil perde dólares com ataque do centrão a meio ambiente e indígenas

Queimada em Apuí, no Amazonas - Christian Braga/Greenpeace
Queimada em Apuí, no Amazonas Imagem: Christian Braga/Greenpeace

Colunista do UOL

26/05/2023 02h30

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Qualquer investidor de fundo internacional e importador estrangeiro preocupados em demonstrar à sua clientela que agem de forma responsável vão pensar duas vezes antes de colocar dinheiro por aqui com o novo "marco socioambiental" que deputados e senadores estão construindo.

O esforço é grande e passa por esquartejar os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, tirando deles competências para combater o desmatamento ilegal, a grilagem de terras, o mau uso dos recursos hídricos, o descarte irregular de resíduos e efluentes.

Também correm para entregar o que sobrou da Mata Atlântica para a pilhagem final. E para impedir que populações indígenas degredadas por décadas possam voltar para casa. Considerando que os territórios indígenas contam com taxas de preservação maiores que unidades de conservação, atacar o direito deles é apoiar o mudança do clima.

Por ser um importante produtor de alimentos e commodities, o Brasil desperta a ira de setores econômicos em países concorrentes e, portanto, temos visto tentativas de erguer barreiras comerciais a mercadorias brasileiras usando como argumento o desrespeito aos direitos humanos ou agressões ao meio ambiente - mesmo que, não raro, o interesse seja puramente protecionista.

Infelizmente, damos amplos subsídios para isso devido a uma parte de nossa produção insistir em agir de forma predatória contra o meio ambiente e as populações tradicionais. E os representantes políticos defenderem um modelo de produção baseado em uma visão imediatista e predatória de desenvolvimento.

A mesma visão extrativista do pessoal que arrancava pau-brasil, enchia porões de navios e zarpava para a Europa há 500 anos. A mesma lógica que está desindustrializando o país, aliás.

Vamos resumir: há atores econômicos estrangeiros que usam o discurso ambiental de forma hipócrita em nome do seu protecionismo? Sim. Outros países também poluem? Claro. Mas a Câmara dos Deputados e o Senado Federal estão ajudando a piorar a vida no planeta com seu comportamento medieval e vamos todos levar uma lapada econômica por conta disso? Sem dúvida.

Defensores da exploração mineral em terras indígenas podem se lambuzar na piscina do conspiracionismo dizendo que esses locais são estoques que deveríamos explorar antes que os estrangeiros invadam o país. Bolsonaro foi por esse caminho, prometendo reformar a glória ignóbil do rolo compressor da ditadura.

O que, claro, foi atendido. E, com isso, o garimpo ilegal ajudou a causar a morte de 570 crianças Yanomami de até cinco anos de idade durante os quatro anos de seu mandato, segundo levantamento do site Sumaúma.

Não adianta as lideranças do Congresso Nacional divulgarem cartinhas preocupadas com o aquecimento global perto de cúpulas do clima da ONU e, um tempo depois, implodir a estrutura de proteção socioambiental que garantiria um desenvolvimento sustentável.

O governo da Alemanha e da Noruega vão ser otários e continuar colocando recursos no Fundo Amazônia com isso? Os negociadores do acordo União Europeia - Mercosul têm espírito de cobaia?

O Brasil poderia ter sido parte da solução para reduzir o impacto das mudanças climáticas nos últimos anos, mas a gestão Jair Bolsonaro preferiu torná-lo parte do problema, enfraquecendo a fiscalização, destruindo regras de preservação ambiental, apoiando o Congresso em sua cruzada contra o desenvolvimento sustentável. Mais do que párias, passamos a ser vistos como ameaça.

Agora, o Congresso Nacional segue de onde ele parou. Ou melhor, vai além, porque as últimas legislaturas não conseguiram aprovar o PL 490/2007, que reforça o marco temporal para as terras indígenas. E, agora, sua votação está logo ali na esquina.

Quando o governo Temer tentou dificultar a libertação de trabalhadores escravizados e reduzir a transparência da "lista suja" do trabalho escravo, em outubro de 2017, investidores de fundos multibilionários socialmente responsáveis mandaram avisar o governo de suas preocupações. Afinal, as mudanças colocariam em risco a manutenção de seus negócios por aqui - o que ajudou a demover o governo da ideia de jerico.

Percebam que este texto não discute a importância de preservar a dignidade de povos tradicionais ou a qualidade de vida desta e das futuras gerações. Como isso é óbvio, prefere falar de outra dimensão: a possibilidade real de o Brasil perder dinheiro.

Ao final do dia, a questão que precisa ser respondida pelos empresários sérios é se eles vão ficar parados vendo um Congresso queimar grana que poderia estar entrando como investimentos de fundos ou na forma de exportações de carne, soja, e minerais, entre outros, que ficarão bloqueadas em portos pelo mundo, acusadas de danos contra o meio ambiente e indígenas, cometidos com base nas medidas agora propostas.

Ou se vão pressionar para evitar que o centrão, a bancada ruralista e os coniventes façam um estrago de bilhões na economia achando que estão realizando um bom negócio.