Demissão por refrigerante é caso de vingança patronal que se repete no país
A demissão do operador de máquinas Keoma de Oliveira por ter servido um refrigerante de um concorrente da empresa para a qual trabalhava na festa de aniversário do filho de dois anos mostra que livre mercado na bebida dos outros é refresco.
Em outras palavras, enquanto um Brasil discute redução de jornada para quatro dias semanais e ampliação da licença paternidade, em outro ainda há senhores de engenho achando que podem controlar a vida daqueles que trabalham para eles produzindo açúcar.
O RH da Frisky, em Ariquemes, interior de Rondônia, mandou o rapaz embora após uma foto da festa circular entre funcionários. Nela, aparece uma garrafa de dois litros de refrigerante da Dydyo, a concorrente. Segundo colegas de trabalho, o dono da empresa teria ficado bravo e mandado demiti-lo.
O contrato entre patrão e empregado, que regula a compra e a venda de força de trabalho e é a base do capitalismo, não tem competência para comandar a vida pessoal dos trabalhadores. Se a pessoa faz o seu serviço, como ela gasta o seu dinheiro e o que faz com seu tempo livre cabe somente a ela.
Nem havia conflito de interesses, o rapaz não era o diretor de marketing da empresa fazendo campanha para a marca concorrente nas redes sociais. Ele nem comprou o refrigerante, tendo ganhado da irmã os produtos para a festa do filho.
Foram Keoma, Frisky e Dydyo, mas a situação é universal, repetindo-se com outros nomes em outros lugares. Em comum, empresários ou prepostos com comportamento feudal.
Transportemos o caso para as grandes cidades, onde gestores incentivam os empregados a vestirem a camisa de forma incondicional de grandes empresas para as quais trabalham. Sob ameaças, criam um contexto de assédio fomentando o medo de que podem ser vítimas de represálias se desligarem o WhatsApp durante as férias ou irem à festa de aniversário dos filhos ao invés de fazerem aquela hora extra.
Afinal, como dizem esses gestores, há muita gente que pagaria pela oportunidade de estar no lugar desses empregados.
Entre esse pessoal, aliás, faz muito sucesso coaches que ensinam que o nirvana é alcançado quando indivíduos conseguem confundir seus objetivos de vida com as metas da empresa para a qual trabalham. Tem gente que acha bonito, eu considero assustador.
E, pelo visto, a Justiça do Trabalho em Ariquemes também. Por conta do episódio, ela condenou a Frisky a pagar R$ 7 mil de danos morais a Keoma, valor 4,3 vezes mais que o salário que ele recebia.
Mas para mostrar que o espírito capitalista ronda sim aquele canto de Rondônia, a Dydyo, a concorrente que estava na mesa da festa de seu filho, soube aproveitar a situação e ganhou um marketing gratuito com tudo isso, oferecendo um emprego melhor a Keoma.
Trabalho escravo não é a única forma de um patrão subjugar a vida de seus empregados, existem formas mais sutis, escondidas atrás de narrativas de lealdade e traição, mas não por isso menos violentas.
Seria, por isso, saudável a Justiça produzir mais decisões que mostre a empregadores, de Ariquemes a São Paulo, que a liberdade de mercado não significa a empresa ser livre para fazer o que quiser da vida de quem aceitou lhe vender algumas horas do seu dia.