Acusação de estupro e agressão de ex vai afetar o poder de Arthur Lira?
A pressão social dos casos de violência de gênero envolvendo o ex-deputado estadual Arthur do Val (Mamãe Falei) e de agressão sexual com o ex-vereador Gabriel Monteiro, o jogador Robinho e o técnico Cuca também ocorrerá por conta das acusações contra o presidente da Câmara, Arthur Lira?
Os quatro primeiros são exemplos de figuras públicas da política e do futebol afastados das funções que exerciam por conta de julgamentos políticos ou judiciais. Já o deputado federal continua com seu poder e prestígio, tendo inclusive conseguido a censura do site Congresso em Foco, que tratou de uma acusação de violência contra ele.
Jullyene Lins, com quem Arthur Lira (PP-AL) teve um relacionamento por dez anos e dois filhos, afirma que foi espancada e estuprada por ele em 2006. O deputado nega. O exame de corpo de delito apontou hematomas na lombar, glúteo, rosto, coxas, antebraços e parte posterior das pernas. No processo, a Justiça de Alagoas afirmou que o réu tinha "personalidade violenta".
Posteriormente, ela mudou o seu depoimento e pediu às testemunhas que fizessem o mesmo pois. Segundo Jullyene, o motivo teria sido uma ameaça de Lira. Com isso, o deputado federal foi absolvido pelo STF em 2015. A denúncia de agressão veio à tona pela Folha de S.Paulo, e de estupro, pela Agência Pública.
O que faria com que o caso de Lira se tornasse tão grande a ponto de colocar seu poder ou seu mandato em risco? A resposta passa por perda de apoio no parlamento e engajamento da sociedade sobre o tema, o que não parece que vai acontecer.
Arthur do Val e Gabriel Monteiro
Os parlamentos, sejam eles municipais, estaduais e distrital e federal, funcionam como Clubes do Bolinha, com uma maioria de homens decidindo o futuro daqueles que veem como seus iguais.
Por conta disso, é mais fácil cassar quem não tem apoio interno por ser visto como encrenqueiro contra os próprios colegas ou aqueles contra os quais pesam casos que ganharam tração na opinião pública.
Nos casos de Arthur do Val e Gabriel Monteiro, as provas em áudios, viralizadas pelo WhatsApp junto à população, e o fato de não serem bem-vistos pela maioria dos colegas na Assembleia Legislativa de São Paulo e pela Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, foram fundamentais.
Do Val, ligado ao MBL, teve seu mandato cassado, em maio de 2022, por conta de áudio enviado a amigos enquanto ele estava na Ucrânia. Nele, ele dizia que as mulheres "são fáceis porque são pobres" e que, por isso, "cidades mais pobres são as melhores". O país vive uma tragédia humanitária por causa da guerra. Todos os 73 parlamentares presentes concordaram com a quebra de decoro.
Isso não significa que a Alesp faz a mesma coisa quando o acusado tem apoio político.
O então deputado Fernando Cury (antes Cidadania, hoje União Brasil) foi flagrado apalpando o seio da então deputada Isa Penna (ex-PSOL, hoje PC do B) no plenário. Mesmo com a cena gravada em vídeo, a Alesp o puniu apenas com uma suspensão de seis meses no mandato. Tinha boa relação com os colegas. Tanto que apareceu em fotos sorridentes com o então governador Rodrigo Garcia na campanha do ano passado.
O eleitor é que teve que se mexer, e decidiu não reconduzi-lo ao cargo.
Gabriel Monteiro foi cassado em agosto de 2022 por 48 votos a 2 também por quebra de decoro parlamentar sob a suspeita de fazer sexo com uma adolescente e gravado o ato em vídeo, entre outras acusações. Em áudios que circularam à exaustão, ele deixou claro "gostar de novinha". Está preso desde novembro, acusado de agredir e estuprar uma mulher em julho do ano passado. Segundo a denúncia, ele teria ameaçado mata-la com uma arma.
Por mais que fosse bolsonarista-raiz e do partido do governador Claudio Castro, os áudios constrangeram a base conservadora de muitos vereadores. Isso sem contar que ele não ganharia um concurso de popularidade na Câmara, dado o seu comportamento com os colegas e assessores.
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Quero receberMas erra feio quem acha que perdeu apoio de seus seguidores. Inelegível por conta da cassação, Gabriel manteve a influência sobre seus milhões de seguidores nas redes sociais. Tanto que elegeu seu pai, Roberto Monteiro (PL), como deputado federal, e sua irmã, Gisele Monteiro (PL), como deputada estadual.
O exame de corpo de delito de Jullyene Lins e as revelações do processo não tiveram ate agora o mesmo efeito de áudios e vídeos dos dois casos.
Cuca e Robinho
Profissionais de futebol são mais conhecidos e admirados pela sociedade do que políticos, com algumas exceções (claro que se fosse diferente, teríamos uma democracia melhor, com mais fiscalização do poder público). Natural, portanto, que a vida pessoal de jogadores e técnicos cause mais interesse do que a de deputados.
Mais pessoas se conectam a clubes de futebol com paixões mais intensas do que aquelas em torno de partidos - novamente, com algumas exceções (tanto que torcidas organizadas de um político matou muito mais que as torcidas organizadas de futebol no ano passado).
O sentimento de pertencimento a um grupo de torcedores tem suas identidades, principalmente reativas. Nesse sentido, para um time é péssimo ver o adversário, a imprensa, os movimentos sociais e os políticos chamando o craque de seu clube de estuprador.
Isso não muda a opinião da massa da torcida, mas ajuda a constranger determinados grupos com poder de decisão que pressionam a administração dos clubes por conta de danos à imagem. Infelizmente, a maioria dos partidos políticos não está preocupada com sua imagem fora de anos eleitorais, o que dificulta essa pressão.
Aqui vale uma digressão. Historicamente, a sociedade sempre passou pano para a violência sexual cometida por profissionais do futebol. "Ah, é coisa de garoto", ruminam alguns. Com o tempo, o inaceitável passou a ser tratado como inaceitável, não pela massa dos torcedores machistas, mas pelos ruidosos movimentos feministas e por parte da imprensa.
Em 2015, milhares de mulheres foram às ruas contra o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, um dos padrinhos políticos de Lira, a fim de protestar contra seu projeto que dificultava o atendimento a vítimas de abuso sexual. As convocações e os debates via redes sociais ajudaram a ampliar o poder de fogo dos movimentos.
O primeiro teste desse caldo novo foi a apresentação do goleiro Bruno, condenado pelo assassinato da modelo Eliza Samúdio, como contratado do Boa Esporte, time de Minas Gerais. Todo ex-detento tem direito à ressocialização, mas a sociedade civil organizada criticou duramente quando, ao sair da cadeia, ele foi apresentado como uma estrela, um exemplo para os mais jovens.
Nesse mesmo caldo, podemos incluir o aumento no número de mulheres no jornalismo esportivo, pautando essas questões com a importância que elas devem ter. E o crescimento da relevância de times femininos de futebol e, com isso, da responsabilidade sobre a violência de gênero.
Com isso, a condenação em última instância de Robinho, em 2022, pelo estupro coletivo do qual participou na Itália, reverberou mais forte aqui. E ajudou a levantar histórias que estavam fora do foco, como a condenação de Cuca por estupro em 1989, na Suíça.
Ao contrário de Bruno, ambos nunca cumpriram pena por seus crimes. Mas hoje têm dificuldade de conseguir emprego. Cuca chegou a dirigir duas partidas pelo Corinthians este ano, mas não aguentou a pressão e saiu do clube. Robinho teve as esperanças de tudo se ajeitar enterradas após uma série de reportagens do UOL mostrar áudios - olha eles de novo - comprovando a violência.
Ah, mas ambos foram condenados e por isso houve pressão social - você pode contestar. O jogador Daniel Alves, acusado de estupro em um banheiro de bar, está preso desde o dia 20 de janeiro na Espanha. Vem sendo duramente criticado lá e aqui e foi demitido do time mexicano Pumas, onde era lateral-direito.
Lira está protegido pela própria influência que ostenta na Câmara e pela falta de áudios e vídeos que apresentem, de forma escrachada, a acusação de estupro contra ele à sociedade. Ao mesmo tempo, o grosso da sociedade não sente que é parte integrante da política como sente que é do futebol, não se sente representado pelo Congresso, a quem consideram mais parte do problema do Brasil do que da solução.
E há, claro, a governabilidade. O presidente da Câmara estaria sendo mais criticado sobre o caso por parte de ministros, aliados e pela maioria da base se o governo Lula não estivesse prestes a assumir um casamento com o centrão?
É bem provável que Lira, defrontado com seus "torcedores", ou seja, os eleitores alagoanos, acabe reeleito em 2026 dada a quantidade de recursos em emendas que despeja nas prefeituras. Talvez voe mais alto. Tanto quanto é provável que o caso fique à espera de novos elementos ou de uma sociedade que se importe realmente com o comportamento de seus representantes.