Delação de Élcio Queiroz: PM 'forneceu' arma e treinou executor de Marielle
Já era de domínio público que duas pessoas com treinamento da Polícia Militar foram os executores da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes: os ex-policiais Élcio Queiroz e Ronnie Lessa.
Agora, a delação premiada de Élcio diz que outro ex-PM, Edmilson Oliveira da Silva teria intermediado a contratação da morte de Marielle. Macalé, como era conhecido, foi executado em novembro de 2021 e também teria participado da preparação da execução.
Élcio também afirma que a arma usada no crime, uma submetralhadora MP5, pertencia ao Bope (Batalhão de Operações Especiais) e teria sido desviada e vendida para Ronnie, que efetuou os disparos.
Cuidados devem ser tomados com a informação, claro, afinal é uma delação. Uma fonte informou à coluna que o Bope comprou, em 1982, 24 submetralhadoras HK da Alemanha: 6 do tipo MP5 A3, 6 MP5 K, 6 MP5 G3SG1 e 6MP5 21A1. E todas elas continuariam em posse do batalhão. Isso significa que a origem da arma pode ser outro.
E falta descobrir qual foi a orcrim responsável pela morte e quais os (interesses) políticos por trás. O ministro da Justiça Flávio Dino disse, nesta segunda (24), que é indiscutível o envolvimento de milícias. Muitos desses grupos criminosos são tumores que brotaram da polícia.
Com base na delação, uma operação da Polícia Federal com o Ministério Público do Rio prendeu hoje o ex-bombeiro Maxwell Corrêa, acusado de ajudar no planejamento da morte e acobertamento do crime.
As investigações estavam em um beco sem saída algum quando o governo federal entrou na investigação, com abertura de inquérito pela PF. Talvez as informações fornecidas ajudem a chegar aos mandantes, mas é cedo para dizer. Élcio e Ronnie estão presos desde 2019.
A participação de ex-policiais no crime seria um ultraje. Mas a percepção correta de que políticos podem ter sido os responsáveis por ordenar a milicianos o assassinato de uma representante eleita, liderança negra e LGBTQIPN+, nascida em uma das maiores favelas do Rio, é em si um sinal de falência de nosso contrato social.
"Pode matar" é a mensagem ainda hoje enviada pelo Estado brasileiro diante da ausência dos mandantes. Ao mesmo tempo, o recado que o país envia à sua população é de que, além dos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais, os mais pobres por aqui também não devem contar com direitos civis e políticos. Pois seus representantes são descartáveis e podem ser executados tanto por sua atuação, quanto para servirem de recado.
Sem contar que isso deixa claro que o Rio tem dono e não é a esmagadora maioria da população honesta que nele habita. Independente de quem seja apontado como responsável pelas execuções, o Estado já é culpado de muitas formas e maneiras pelo que aconteceu.
Nestes cinco anos, vale também lembrar que não são apenas os civis que devem carregar o peso da vergonha sobre o caso. A execução de Marielle e Anderson ocorreu durante a intervenção do Exército na área de Segurança Pública do Rio de Janeiro, decretada pelo então presidente Michel Temer em 16 de fevereiro de 2018.
O plano para matar Marielle não foi detectado pela inteligência das Forças Armadas, tão celebradas. O general Braga Netto, que depois se tornaria homem forte do bolsonarismo e vice na chapa de Jair à reeleição, era o interventor.
Em tempo: No fundo do poço há sempre um alçapão. A máquina de ódio do bolsonarismo estava girando alto nas redes nesta segunda, bombando novamente os nomes de Adélio Bispo, responsável pelo atentado contra o então candidato Jair Bolsonaro em setembro de 2018, e o do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, assassinado em 2002, para tentar criar ruído sobre o caso Marielle.
Apesar de ambos os crimes terem sido resolvidos, respectivamente, pela Polícia Federal e pela Polícia Civil, a extrema direita os mantém vivos respirando por conspirações para instrumentalizá-los politicamente. O barulho alimenta os seguidores, que se tornam soldados do ódio, atacando a memória da vereadora. Deprimente? Sim. Mas previsível, afinal é o bolsonarismo.