Plano Silvinei-Torres reforça que Bolsonaro via nordestinos como inimigos
A reunião com o então diretor da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, e o então ministro da Justiça, Anderson Torres, que discutiu a implementação de bloqueios em rodovias onde Lula havia ido bem no primeiro turno para atrapalhar seus eleitores na segunda etapa da eleição, representa desprezo puro pela opinião política de nordestinos.
Já a possibilidade, que está sendo investigada pela Polícia Federal, de que o Plano Silvinei-Torres de Golpe Eleitoral tenha tido o aval explícito de Bolsonaro, além de colocar o ex-presidente na antessala da cadeia, reforça que todas as declarações xenófobas e preconceituosas que ele proferiu contra o Nordeste não eram "erro de entendimento" dos brasileiros ou "má-fé" dos críticos do ex-presidente, mas Jair sendo sincero.
Por exemplo, como esquecer a, hoje, icônica declaração em uma live no dia 5 de outubro, ao analisar os resultados do primeiro turno? "Lula venceu em 9 dos 10 estados com maior taxa de analfabetismo. Você sabe quais são esses estados? No nosso Nordeste", disse Bolsonaro, que ainda disse que há "falta de cultura" por lá.
Esse tipo de pensamento, que coloca o Nordeste como burro ou inimigo, continua encontrando eco no bolsonarismo.
Para se reafirmar como possível candidato da direita radical à eleição presidencial de 2026, posto vago após Jair ser declarado inelegível pelo TSE, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, também apelou ao preconceito regional.
Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, disse que a região era comparável a "vaquinhas que produzem pouco", mas recebem "tratamento bom", enquanto o Sul e o Sudeste são as que "produzem muito" e não teriam o mesmo tratamento. Um pensamento bovino.
E não é de hoje que cidadãos dessa região são chamados de burros e ignorantes simplesmente por terem uma opinião política diferente de moradores do Centro-Sul. Já em outubro de 2014, após a vitória de Dilma Rousseff, uma onda de ataques contra nordestinos - que votaram em peso por sua reeleição - tomou as redes sociais. Um prenúncio da escalada de ódio que veríamos nos anos seguintes.
Bolsonaro e aliados, incapazes de tentar mudar pontos de vista de cidadãos através de discursos e debates, partiram para dificultar que a expressão eleitoral dessas opiniões acontecesse, colocando um contingente de policiais rodoviários federais nas estradas de estados eminentemente lulistas muito maior que o padrão adotado no Sudeste, muito mais populoso. Era preciso frear o Nordeste na base da força.
Inquérito da Polícia Federal sobre o caso aponta que o setor de inteligência do Ministério da Justiça fez um levantamento dos locais onde o petista foi mais votado para subsidiar bloqueios de estradas no segundo turno. Não só isso, como Torres viajou à Bahia para pedir apoio da superintendência da PF local à ação da PRF.
Agora, descobre-se que Silvinei chamou a cúpula da instituição à chincha, exigindo que mostrasse de que lado estava. Em outras palavras: decidissem se ficavam ao lado da Constituição ou de Bolsonaro.
É pouquíssimo provável, em um governo extremamente centralizador como o de Jair, que o plano de Anderson Torres e de Silvinei Vasques não tivesse a anuência do chefe.
O mais irônico é que a realidade das urnas contradisse o preconceito do bolsonarismo. O ex-presidente havia recebido 1,3 milhão de votos a mais no Nordeste em comparação à sua votação de 2018 no primeiro turno. Lula, por outro lado, teve uma votação 23 pontos maior agora que a de Haddad naquele ano no Sudeste e 17 pontos maior que a dele no Sul. Os dados são de apuração de Amanda Rossi e Juliana Caro, no UOL.
Mas o Nordeste, ao final, pode ser sim responsável pela ruína de Jair. Confirmada sua participação na decisão da ação golpista de 30 de outubro, de usar sua guarda pretoriana para esconder a opinião do eleitor, a região poderá ser a responsável por fazer com que amargue uns anos de xilindró.