São Paulo homenageia agressor de estudantes e provoca reação do STF
O Supremo Tribunal Federal mandou São Paulo explicar por que sua Assembleia Legislativa aprovou e seu governo estadual sancionou uma homenagem a um notório agressor de estudantes, o finado coronel Erasmo Dias, "mão esquerda" da ditadura militar em São Paulo.
A obra-prima de Dias, secretário de Segurança Pública entre 1974 e 1979, foi a invasão da PUC-SP, em 22 de setembro de 1977, para reprimir um ato com 2 mil jovens de todo o Brasil que discutia a reorganização da União Nacional dos Estudantes. A pancadaria também serviu de recado à universidade, conhecida como local de defesa da democracia.
"Ato público é proibido. Está tudo mundo preso", gritava Dias, o homenageado por São Paulo, enquanto seus comandados disparavam bombas e baixavam o cacete em cima dos estudantes. A invasão deixou dezenas de feridos (19 pela contagem da própria polícia), dos quais seis tiveram que ser hospitalizados por conta de graves queimaduras e pelos gases tóxicos das bombas.
A truculência repercutiu em todo o mundo nos dias que se seguiram, mostrando a lama em que estávamos enfiados.
Naquela noite, a tropa de choque disparou bombas, cercando e empurrando para dentro do campus os que estavam no ato, em frente ao Tuca, o teatro da PUC, na rua Monte Alegre. Os soldados entraram nas salas de aula, laboratórios, escritórios administrativos, arrastando professores, alunos e funcionários para uma triagem. Quase 900 estudantes foram detidos e levados ao Batalhão Tobias de Aguiar e a outras instalações de repressão da ditadura.
Os relatos contam que, quando o coronel quis cumprimentar a reitoria Nadir Gouvêa Kfouri, ouviu dela um direto: "Não dou a mão a assassinos". Hoje, ela dá nome à biblioteca da universidade enquanto ele tem dificuldade para batizar um entroncamento viário.
A ministra Cármen Lúcia deu cinco dias para o governador Tarcísio de Freitas e o presidente da Assembleia, André do Prado, justificarem o projeto que homenageou Dias com o batismo de uma via pública em Paraguaçu Paulista (SP), sua cidade natal.
A decisão é desta sexta (25) e foi provocada por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada pelo Centro Acadêmico 22 de Agosto, da Faculdade de Direito da PUC-SP, além do PDT, PSOL e PT. Seis centrais sindicais apoiam o processo.
Afirmam, com toda a razão, que é um absurdo "um dos mais emblemáticos agentes das violações aos direitos fundamentais perpetradas durante a ditadura militar", que garantiu a "ordem" sob as técnicas persuasivas da Gloriosa, que incluía tiro, porrada e bomba, receba homenagens do poder público. O projeto é do ex-deputado bolsonarista Frederico D'Ávila (PL) e foi sancionado no final de junho.
O agressor de estudantes nunca se arrependeu do episódio. Pelo contrário, parecia ter orgulho dele. Em uma entrevista à Folha, 30 anos depois, afirmou: "Não faria nada diferente". E ainda ironizou os feridos: "Só usamos gás lacrimogêneo para fazer chorar e água fria pra esfriar a cabeça: são coisas ótimas para quem está de cabeça inchada".
Erasmo Dias morreu, em 2010, aos 85 anos, vítima de um câncer. Sua morte impune é um lembrete de nossa incompetência como sociedade. Pois não apenas não tivemos a competência para abrir e limpar publicamente as feridas que ele causou com ele em vida, como a sociedade ainda o elegeu deputado federal, deputado estadual e vereador.
Em um momento em que o mundo repensa as homenagens feitas a figuras que marcaram negativamente sua história, debatendo estátuas de escravizadores, ditadores, homicidas, estupradores, São Paulo mostra remar contra a corrente ao aprovar tal homenagem.
Melhor seria uma estátua de Erasmo Dias no Memorial da Resistência, no centro de São Paulo, na ala dos agressores e autoritários, explicando quem foi, o que fez e a razão pela qual precisa ser lembrado: para que a História não se repita. Lembrando que, nos últimos quatro anos, ela impunemente se repetiu como farsa.