Leonardo Sakamoto

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Reportagem

O 1% mais rico 'queima' o planeta, mas pobre é que vai arder, diz relatório

O 1% mais rico lançou na atmosfera tanto gás carbônico (CO2), um dos principais causadores das mudanças climáticas, quanto os 66% mais pobres juntos. É o que aponta o relatório divulgado pela Oxfam Internacional, neste domingo (19), às vésperas da COP 28, a cúpula do clima das Nações Unidas que será realizada em Dubai.

Em números, eram 77 milhões pessoas poluindo tanto quanto mais de 5 bilhões em 2019. Fundada no Reino Unido, a Oxfam é uma das mais importantes organizações sociais do mundo.

Esse naco super-rico da população é responsável por 16% de todas as emissões de carbono do planeta e, desde a década de 1990, produziu o dobro de carbono da metade mais pobre. Suas emissões são 22 vezes maiores ao limite para manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C — o que cientistas da ONU consideram fundamental para evitar uma catástrofe no clima.

O relatório com o sugestivo nome de "Igualdade Climática: um planeta para os 99%" foi elaborado com dados de emissões de carbono para 196 países de 1990 a 2019.

As emissões globais do 1% mais rico anulam o equivalente à poupança de carbono gerada pela utilização de um milhão de turbinas eólicas juntas. E as emissões apenas desse grupo são suficientes para causar 1,3 milhão de mortes devido ao calor entre 2020 e 2100.

A Oxfam ressalta que apesar de os mais ricos serem os principais causadores do impacto climático, eles não serão os maiores afetados — fardo que já está nas mãos de pessoas que vivem na pobreza, mulheres, negros, comunidades tradicionais e países da periferia do mundo. Quanto mais desigual, segundo o estudo, mais afetado será a população pobre de um país.

O estudo diz, aliás, que as desigualdades econômicas entre países já são 25% maiores do que seriam num mundo sem aquecimento global.

Não é novidade o papel dos países ricos e de suas grandes corporações poluidoras para as mudanças climáticas pelo tanto que lançaram de carbono na atmosfera desde a primeira Revolução Industrial. Por isso, o estudo da Oxfam discute o papel das pessoas super-ricas (o 1% com mais renda) e das ricas (os 10%) para o colapso do clima.

De acordo com a organização, os super-ricos são importantes para alterar o curso do clima de três maneiras: a) através do carbono que emitem no seu dia a dia a partir do seu consumo, incluindo o de seus iates, jatos particulares e estilos de vida luxuosos; b) através dos seus investimentos e participações em indústrias altamente poluentes; c) pela influência indevida que exercem sobre os meios de comunicação social, a economia e a política em termos de políticas industriais e ambientais.

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Clima no Brasil mostrou que tempo para ação está acabando

"O relatório que a Oxfam está lançando hoje mostra que o sistema econômico, social e ambiental mundial está quebrado. Seguir como estamos é saltar, sem paraquedas, no mais profundo precipício", afirmou à coluna Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil.

"Precisamos construir um outro caminho, mas ele não pode ter como sua coluna de sustentação 'inovação e tecnologias paliativas'. É preciso ter compromissos definitivos de não abrir novos poços de exploração de petróleo, parar os desmatamentos florestais para novas explorações (seja mineração ou agropecuária) em regiões onde já existe terra suficiente disponível e sobretaxar robustamente os investimentos em qualquer setor econômico poluidor (seja de governos, empresas e indivíduos)", avalia.

O relatório aponta que um imposto de 60% sobre a renda desse 1% mais rico em todo o mundo reduziria mais emissões do que o total de carbono produzido por ano pelo Reino Unido, além de arrecadar 6,4 trilhões de dólares que poderiam financiar a transição de uma economia de carbono e incentivar energias renováveis e limpas.

Segundo a Oxfam, levaria cerca de 1.500 anos para uma pessoa que está entre os 99% da população produzir tanto CO2 quanto o 1% mais rico produz em um ano. Não à toa, o relatório defende que as prioridades de ação devem ser comunidades e países que são mais pobres ou vulneráveis.

"O clima nas últimas semanas em nosso país mostrou que o tempo para ação está acabando. O pior cenário seria que o Brasil construísse as soluções e adaptações para a realidade que está na nossa cara mantendo privilégios daqueles que já estão no topo. As soluções passam por permitir que a maioria da população brasileira se torne prioridade", afirma Katia Maia.

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O relatório cita que comunidades tradicionais no Brasil, como os quilombolas, vêm enfrentando racismo e secas. E que apesar de terem um papel importante na proteção da cobertura vegetal nativa e, portanto, do clima, sofrem com a falta de titulação de suas terras pelo governo — sendo ameaçados pelo agronegócio, a mineração e a política.

Lembra que muitas lideranças foram assassinadas. Em agosto deste ano, Mãe Bernadete, ialorixá e líder do Quilombo Pitanga dos Palmares, na Bahia, foi executada, por exemplo.

Desigualdade e mudança climática de mãos dadas

O relatório aponta que sociedades menos desiguais são mais capazes de gerenciar os riscos e impactos do clima extremo de forma mais eficaz e justa, alcançando o consenso político necessário para uma transição rápida dos combustíveis fósseis uma mudança no consumo excessivo dos privilegiados.

Para ele, os trilhões arrecadados globalmente do 1% mais rico poderiam ser aplicados no fornecimento de energia renovável, habitação segura e eficiente em termos energéticos e transportes públicos ecológicos e acessíveis e na proteção contra condições meteorológicas extremas, apoio à adaptação climática e compensação por perdas e danos já sofridos.

A Oxfam aponta que uma análise sobre 573 grandes desastres causados por inundações em 67 países mostrou que o número de mortes é sete vezes maior nos países mais desiguais.

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Kátia Maia defende que a lei brasileira já garante instrumentos tanto para o combate à mudança do clima quanto para a redução da desigualdade. "É muito importante que as autoridades de governo nos três níveis, nos espaços do Poderes Legislativo e Judiciário também nos diferentes níveis assumam suas responsabilidades e façam valer a nossa Constituição", diz.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.