Povo de rua sofre com falta de água no calor extremo mesmo sem ir a show
Mais de mil desmaios e a morte de uma jovem no show de Taylor Swift, no Rio, mostraram o impacto causado pelo calor extremo e a falta de hidratação - a organização do evento impediu que as pessoas entrassem com água no estádio. Há, contudo, um grupo que convive diariamente com essa exposição, mas não tem casa para se refugiar.
"A população em situação de rua não tem acesso à água potável, no normal do dia a dia, situação que se agrava em ondas de calor violenta como essa que estamos vivendo", afirmou à coluna o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo.
O Ministério da Saúde alerta que altas temperaturas podem impactar especialmente idosos, gestantes, crianças, pessoas com problemas de saúde e, claro, pessoas em situação de rua.
Normalmente, a situação de vulnerabilidade desse grupo é mais lembrada pelo restante da população durante inversos rigorosos, quando a exposição ao frio produz mortos entre quem dormem na rua. Mas o calor extremo pode ser tão grave quanto, com a diferença que não é percebido como risco.
Tão grave quanto a hipotermia é a hipertermia. O calor extremo e a desidratação impedem o corpo de regular sua própria temperatura, podendo gerar quadros mais leves como tonturas, dores de cabeça e enjoos até graves como a piora de problemas cardíacos, respiratórios e renais, levando a hemorragias, falência de órgãos e morte.
"Conversando com a prefeitura, conseguimos que a Operação Baixas Temperaturas fosse replicada, de forma semelhante, na Operação Altas Temperaturas para atendimento", explica o padre Júlio.
A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo instalou dez tendas nas quatro regiões e no centro da capital para distribuir água, suco e frutas e garantir um local para descanso, climatizado. A operação deve se manter até o final de março de 2024 e é ativada sempre que a temperatura ou a sensação térmica atingir 32° C.
De acordo com a Prefeitura, das 10h às 16h desta sexta (17), foram realizados 33.147 atendimentos, sendo distribuídas 34.093 garrafas de água, 6.012 sucos, 15.153 frutas. De 10 de novembro até sexta-feira, as dez tendas distribuíram 193.529 garrafas de água.
O coordenador da Pastoral de Rua defende que a ação seja ampliada, com unidades em outros pontos, e o atendimento, que termina às 16h, estendido para às 20h, pois o forte calor tem se estendido para o período da noite. Também pede que todos centros de acolhida tenham climatização e que não haja interrupção no fornecimento de água a fim de garantir conforto à população que usa os abrigos à noite.
Padre Júlio lembra ainda o desafio de garantir água à população em situação de rua que ficam pelas calçadas e não vão aos pontos de atendimento, pela distância ou desconhecimento.
Sim, a instalação de mais bebedouros em locais públicos e de fácil acesso também se insere na discussão sobre a adaptação das cidades para as mudanças climáticas.
Um termômetro de como ainda engatinha nossa percepção sobre os extremos do clima é que, hoje, não há a mesma frequência de voluntários distribuindo água durante dias quentes que existe de doadores fornecendo sopa e cobertores em dias frios. Sabemos que o frio intenso mata, mas não percebemos que o calor intenso também.