Leonardo Sakamoto

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Opinião

Amazônia é exemplo de que grana do petróleo não traz felicidade para todos

Descobrir petróleo enriquece, mas não necessariamente o povo. Isso ficou claro pela importante reportagem de André Borges e Ruy Baron, nesta quarta (6), no UOL, mostrando a situação de vulnerabilidade social em Coari, no Estado do Amazonas, onde a Petrobras explora petróleo e gás e milhões de royalties são pagos ao poder público.

Mais de 21 anos separaram a apuração de Borges e Baron e uma reportagem que realizei na mesma Coari sobre o tema dos royalties. Mais do que a sensação de um Dia da Marmota, com a realidade repetindo-se estupidamente à nossa frente, o sentimento de ler a reportagem de hoje é que pouco avançamos como sociedade. O que se coloca não como um descuido, mas como um projeto.

De acordo com o relato dos colegas, Coari, que recebeu R$ 136,3 milhões de royalties do petróleo e do gás, no ano passado, segue marcada por problemas graves de saneamento básico, segurança pública, saúde e educação para os seus mais de 70 mil habitantes. Pobre município rico.

No coração do Amazonas, banhado pelo rio Solimões, Coari era igual a qualquer outra cidade no meio da maior floresta tropical do planeta, com uma pequena população. A realidade local começou a mudar quando foram descobertos petróleo, de excelente qualidade, e uma imensa jazida de gás natural, cerca de três mil metros abaixo do solo.

A partir daí, a Petrobras implantou em suas terras a Província Petrolífera do Rio Urucu, tornando possível a prospecção, o transporte e o escoamento do material até o Solimões e, de lá, para a refinaria em Manaus. Visitei os poços há 20 anos, e realmente eram uma obra-prima da engenharia. Pena que o mesmo não pode ser dito da infraestrutura do município.

A história é igual a tantas outras em território nacional e serve para mostrar um exemplo de como os royalties do petróleo, que animam as discussões no Congresso, ainda estão longe da realidade dos brasileiros.

Em Coari, a compensação financeira pela exploração do subsolo não é sentida pela população mais vulnerável. Em comunidades por onde passa o gasoduto, as pessoas não sabem para quem vão os benefícios, apenas que a população explodiu pelas promessas de emprego, mas a qualidade de vida, não.

Em maio de 2008, uma grande ação da Polícia Federal chegou a sacudir o cenário político de Coari. A Operação Vorax, alusão a uma bactéria que se alimenta de petróleo, investigou uma quadrilha acusada de participação num suposto esquema de desvio de verbas públicas na prefeitura local. Segundo a PF, a organização criminosa se apropriava de recursos repassados pelo governo federal e pela Petrobras referentes à exploração de petróleo e gás no município.

Segundo a conclusão da fiscalização feita em 2007 pela Controladoria-Geral da União (CGU), em parceria com a PF, os supostos desvios praticados pela prefeitura de Coari geraram mais de R$7 milhões em prejuízos aos cofres públicos entre 2001 e 2006, sendo R$3,1 milhões em recursos federais e mais de R$3,8 milhões em receitas de royalties.

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As empresas que fazem a exploração de petróleo, gás natural ou xisto betuminoso repassam o valor dos royalties ao governo. O cálculo exato depende de fatores como riscos geológicos e expectativas de produção. Cabe à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) apurar o valor devido aos beneficiários.

O montante - dividido entre estados, Distrito Federal e municípios produtores (ou que abriguem estrutura de transporte) e, eventualmente, a Marinha e o governo federal - é então depositado em contas. E gastos pelos representantes eleitos.

Esses lucros advindos da implantação de grandes empreendimentos de exploração mineral, não raro, permanecem na mão de poucos, enquanto o prejuízo social e ambiental decorrente da extração é dividido por todos.

E isso se reproduziu ao longo dos anos em outros lugares, do Recôncavo Baiano, ao Sertão nordestino e às cidades que se beneficiam da exploração marítima, ricos em royalties do petróleo e derivados, mas com pífio índice de desenvolvimento humano. Parte das elites política e econômica garantem que as riquezas estejam na mão de poucos.

Diante disso, é duro acreditar que todos os que brigam no Congresso Nacional para autorizar a prospecção de petróleo em locais como a costa do Amapá, atropelando os cuidados com o meio ambiente e as populações tradicionais, visem à melhoria da qualidade de vida da população.

O exemplo de Coari mostra que a luta pelos royalties não vem necessariamente do interesse público. Não é que dinheiro não traga felicidade. Dinheiro mal aplicado é que gera tristeza.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL