Leonardo Sakamoto

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Opinião

Bolsonaro, que andou de jet ski em catástrofe, critica Lula por chuva no RJ

Contando que seu rebanho engole tudo o que ele produz, o ex-presidente Jair Bolsonaro disse que Lula está "viajando pelo mundo" e, por isso, não está no Rio visitando as vítimas da chuva em uma postagem no Instagram.

Na verdade, o petista foi de Brasília, onde trabalhou na semana passada, a São Paulo para exames médicos no Hospital Sírio-Libanês, no sábado (13). E voltou à capital federal no domingo, quando ligou para Eduardo Paes e Wagner dos Santos, prefeitos do Rio e de Belford Roxo, para garantir recursos às cidades do estado por conta do temporal. Depois, teve compromissos na segunda e terça, segundo a sua agenda oficial.

E considerando que é ano eleitoral, Bolsonaro aproveitou para cutucar Paes, candidato à reeleição, enquanto poupou seu aliado, o governador Cláudio Castro - que foi curtir férias na Disney na época em que, anualmente, o Rio vira lama.

"Por onde anda o Lula, braço do [prefeito do Rio de Janeiro] Eduardo Paes, para ajudar o Rio de Janeiro nestas enchentes causadas pelas chuvas das últimas horas? Ah, ele está viajando pelo mundo com o seu par, assim como ocorrido no Rio Grande do Sul", postou Jair, referindo-se ao ciclone que atingiu o Sul. Com Lula no G20, na Índia, na época, Geraldo Alckmin foi em seu lugar.

Como sempre defendo aqui, presidentes, governadores e prefeitos devem sim visitar locais de tragédias. Nem tanto pelo sobrevoo estético para gerar imagens de TV e redes sociais, mas porque sua presença ajuda a agilizar processos administrativos a fim de atender vítimas. Portanto, Lula deveria ir ao Rio e a todo local atingido por catástrofes, de chuvas, de secas.

Dito isso, Bolsonaro abraçou o "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço".

Fortes chuvas haviam atingido o Sul da Bahia e o Norte de Minas Gerais no início de dezembro de 2021. Naquele momento, Bolsonaro priorizou uma formatura de aspirantes da Marinha no Rio de Janeiro. Diante de duras críticas, sobrevoou a região, mas usou a tragédia para atacar as medidas de isolamento social que salvaram vidas na pandemia.

Equipes de imprensa foram agredidas por seus seguranças diante de seus olhos em Itamaraju (BA), e ele não fez nada. Ao invés de levar conforto, transformou a morte e a violência em mais um palanque eleitoral.

Daí, quando as tempestades voltaram mais letais na Bahia, no dia 23 de dezembro de 2021, matando 25 pessoas, ele nem quis a saber: despachou ministros que seriam candidatos a cargos públicos nas eleições do ano seguinte e manteve suas férias. No dia 28, foi fotografado passeando de jet ski em São Francisco do Sul (SC). No dia 30, foi ao Beto Carrero World, fazer drifting em carros de corrida.

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As imagens dele curtindo férias pagas com cartão corporativo (os sete dias na cidade custaram aos cofres públicos quase R$ 900 mil, segundo o seu próprio governo), enquanto voluntários tentavam salvar pessoas em um Sul da Bahia submerso, foram de uma insensibilidade chocante. Mas também mostraram um presidente coerente, que sempre defendeu que "todos iremos morrer um dia" e que devemos tocar o barco em frente. Ou melhor, o jet ski.

Isso garantiu espaço na mídia para que seu discurso fosse espalhado a apoiadores radicais, vendendo normalidade em meio à pandemia. Vale lembrar que os seguidores do presidente, constantemente excitado, engajado e treinado nas artes da realidade paralela bolsonarista, foi a base da tentativa de golpe de Estado do último 8 de janeiro, quando o Palácio do Planalto, o Congresso e o STF foram invadidos, vandalizados e roubados.

Jair acabou deixando Santa Catarina antes do que queria, não para visitar a Bahia, mas para ir a um hospital em São Paulo. Segundo ele, teve uma obstrução por conta de um camarão mal digerido devido ao seu quadro de saúde mais delicado devido à facada que sofreu em 2018. A internação foi providencial, uma vez que ele estava sendo duramente criticado por sua insensibilidade diante da crise com as chuvas.

No início do ano passado, tivemos o presidente Lula, o governador Tarcísio de Freitas e o prefeito de São Sebastião (SP) Felipe Augusto não são alinhados politicamente, mas isso não impede que eles se encontrassem e trabalhassem juntos no centro de crise.

Ao citar Eduardo Paes, adversário do bolsonarismo e ignorar Cláudio Castro, entre os que gerenciam o Rio de Janeiro, o ex-presidente usa a tragédia para seus interesses eleitorais - de olho na eleição municipal de outubro. Só faltou elogiar o deputado federal Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e pré-candidato bolsonarista à Prefeitura do Rio.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL