Leonardo Sakamoto

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Opinião

Lula se 'esforçou' em tirar o foco de Bolsonaro, mas a PF agiu rapidamente

Bolsonaro foi intimado pela Polícia Federal, nesta segunda (19), a depor sobre o golpe de Estado que quase sofremos. A informação devolve o nome do ex-presidente às manchetes, onde brilhava há dias por conta das apurações que chegaram ao núcleo duro golpista. Lula bem que "tentou" dar uma ajuda midiática ao adversário, com sua desnecessária declaração sobre o Holocausto, que colocou o petista sob os holofotes, mas a ação da PF mantém Jair na ribalta.

Para além de entregar ao governo genocida de Netanyahu uma oportunidade para ele justificar sua limpeza étnica em Gaza, Lula também ajudou a tirar o foco sobre as investigações contra Bolsonaro aliados sobre o golpe de Estado. Mais do que isso: a dar a ele mais uma desculpa para que ele chame seguidores da extrema direita ao ato do dia 25 de fevereiro em São Paulo.

O presidente brasileiro ignorou um dos principais conselhos para o debate público: não comparar ninguém com Adolf Hitler e nada com o holocausto de seis milhões de judeus. Pode-se discutir o porquê disso, mas a regra é simples e evita a contaminação da discussão, a empoderar o povo do ruído, além de poupar dores de cabeça e muitos veja-bens na ressaca midiática do dia seguinte.

Netanyahu - que na esteira dos odiosos ataques terroristas do Hamas contra a população de Israel em 7 de outubro do ano passado, vem promovendo uma carnificina de civis inocentes na Faixa de Gaza, em um crime contra a humanidade que será lembrado pelas próximas gerações - aproveitou da comparação feita por Lula e sapateou como também fez em situações semelhantes com outros líderes e figuras públicas.

Sabe que, se o conflito terminasse hoje, seria chutado para fora do governo, dada a sua incompetência em prever os ataques apesar de contar com um dos melhores aparatos de inteligência do mundo. Sabe também que seu futuro depende da forma como conduzir a guerra e não a construção que fizer para a paz, então age para transformar cada crítica a seu governo a uma crítica ao povo judeu. Há muito antissemitismo no mundo que precisa ser extirpado, mas também há cara de pau.

O bolsonarismo percebeu a oportunidade e está explorando o caso nas redes sociais, focando principalmente em evangélicos que têm na defesa de Israel um dos seus principais pilares. Lula está sendo vendido, literalmente, como o anticristo por conta da declaração em grupos religiosos no WhatsApp e no Telegram.

Com isso, uma cortina de fumaça acabou sendo involuntariamente jogada pelo petista sobre o escândalo do planejamento de golpe de estado por Bolsonaro e aliados, que vinha tomando boa parte do noticiário. Mas não só.

O bolsonarismo está usando a declaração de Lula para chamar eleitores evangélicos de Bolsonaro para o ato de 25 de fevereiro na avenida Paulista. Como Netanyahu transformou os comentários de Lula em um ataque ao povo judeu, aliados do ex-presidente aproveitaram a deixa e deram ares de guerra santa à manifestação de apoio aos golpistas no próximo domingo.

Há evangélicos que, por mais que mantenham o apoio a Jair, não se sentem confortáveis de irem a um evento que não é uma defesa do Estado Democrático de Direito, como vende cinicamente o ex-presidente, mas uma tentativa de encarecer a sua condenação e prisão. Mas podem se sentir mais à vontade de ir a um evento em que se defenda Israel.

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Contudo, aqui entra de novo o roteirista desta chanchada chamada "Brasil", que tratou de complicar ainda mais a situação, com a intimação de Bolsonaro, hoje, para depor no próximo dia 22.

A informação sobre o depoimento, que seus advogados tentam adiar para depois do ato em apoio a ele, ganhou as redes, devolvendo Jair aos holofotes por algo bastante negativo.

A decisão pelo depoimento, claro, não foi tomada hoje, pois dependeu de aval do sistema de Justiça. Agora, bolsonaristas reclamam que uma cortina de fumaça está dispersando a sua cortina de fumaça. Palmas para o roteirista.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL