Conduta exigida de Moraes é como Chaves vender churros para si mesmo
Não foi ilegal a conduta do ministro Alexandre de Moraes, durante sua presidência no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na produção de provas no tribunal e o envio de dados para ele mesmo no Supremo Tribunal Federal. Como relator de ações no STF, ele pediu ajuda ao TSE, que tem poder de polícia, diante da dificuldade de diálogo com outras instituições. Mas o caso, revelado por uma série de reportagens da Folha de S.Paulo, é uma oportunidade para um debate sobre a concentração de poder na era pós-Bolsonaro.
Moraes oficiou a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE para ajudar no inquérito das fake news que ele conduz no STF. A partir daí, solicitou uma série de informações específicas sobre investigados.
Apesar da gritaria da oposição bolsonarista, não há chance no horizonte visível de o Senado aprovar um impeachment do ministro. Mas a extrema direita vai usar o caso para tentar equiparar a situação de Jair à de Lula na Lava Jato (comparação pífia), na tentativa de reforçar sua narrativa de perseguição.
Um dos pontos em que Moraes está mais sendo cobrado é ele não ter mandado um ofício diferente cada vez que pedia para checar as informações sobre um investigado na internet — sim, o trabalho era pesquisar sites e redes sociais públicos e abertos. O ministro defende que isso era desnecessário uma vez que a colaboração institucional já estava firmada.
"Seria esquizofrênico eu, como presidente do TSE, me auto-oficiar. Até porque, como presidente do TSE, no exercício do poder de polícia, eu tinha o poder, pela lei, de determinar a feitura dos relatórios. Hoje, esse meio investigativo continua possível, esse compartilhamento de provas. Mas hoje, eu oficiaria a ministra Cármen, porque a presidência é da ministra Cármen", disse ele ao tratar do assunto hoje.
Há quem diga que sim, que Moraes deveria ter oficiado Moraes todas as vezes em que quisesse informação. Em outras palavras, que se comportasse como o personagem Chaves no icônico episódio em que ele, repetidas vezes, vende churros para si mesmo. E há quem defenda que isso era desnecessário.
A discussão mais justa seria sobre as regras do jogo, ou seja, sobre o poder de investigação da Justiça Eleitoral. Ou o fato que um ministro do STF pode ser, ao mesmo tempo, presidente do TSE. Ou o que fazer diante de atores públicos que, deliberadamente, se omitem de suas funções.
Ele recebeu apoio dos outros ministros do STF nesta quarta. Para além do espírito de corpo, pesa o fato de que o inquérito das fake news nasceu de uma decisão da própria corte de investigar ataques contra si mesma.
Na sessão desta tarde, Moraes reclamou que a Polícia Federal, sob o governo Jair Bolsonaro, não ajudava: "Obviamente o caminho mais eficiente da investigação naquele momento era a solicitação ao TSE, uma vez que a Polícia Federal lamentavelmente, em um determinado momento, pouco colaborava, nós sabemos, com as investigações. O delegado que atuava nos inquéritos chegou a ficar com um único agente policial para poder realizar todas as diligências".
Isso sem contar que Augusto Aras, conduzido e reconduzido por Bolsonaro à chefia da Procuradoria-Geral da República atuou como escudeiro do então presidente, protegendo-o de todo o infortúnio. Morreram mais de 700 mil nas pandemia e a PGR não cumpriu o papel que se esperava dela de proteger o povo. Neste caso, do seu presidente.
Com isso, as instituições tiveram que procurar outros caminhos, inclusive o STF. A fim de proteger a democracia brasileira do golpismo violento do bolsonarismo, houve concentração de poder nas mãos de algumas pessoas, como Alexandre de Moraes. Essa concentração de poder precisa ser discutida? Sim.
Mas a razão dessa concentração de poder também precisa ser discutida: houve um sequestro das instituições, como a PGR e parte da PF, por parte de Jair Bolsonaro e aliados, que empurrou o STF para novas interpretações. Voltar à normalidade institucional é fundamental, mas também evitar que as condições presentes no início desta crise voltem a se repetir.