Clima trará o inferno às cidades, mas candidatos preferem falar do Hamas
O Brasil está alternando tragédias envolvendo chuva e fogo. Se no início do ano, o Rio Grande do Sul ficou abaixo d'água, agora uma nuvem de fumaça cobre dez estados vinda de incêndios criminosos na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado. Há tarefas que prefeitos e vereadores precisam fazer para mitigar os impactos. Mas, infelizmente, o tema da mudança climática ocupa menos espaço em suas campanhas e debates do que Hamas e Maduro.
Ajustamos o termostato do planeta para tornar nossa vida um inferno com 150 anos de desova de gases de efeito estufa na atmosfera. Não vamos cumprir as metas do Acordo de Paris e apenas engatinhamos com políticas de adaptação à nova realidade.
Uma parcela estúpida, mas barulhenta dos políticos defende com unhas e dentes que não existe aquecimento global e, consequentemente, alteração do clima. Contudo, a população já percebeu que o mingau desandou. Pesquisa Datafolha do mês passado aponta que 77% dos brasileiros creem que as mudanças climáticas são causadas principalmente por ações humanas, enquanto há 20% de negacionistas que escutam os tais políticos e apontam que tudo é uma oscilação natural.
A Amazônia e o Pantanal estão vivendo uma estiagem histórica. A isso se junta a ganância das latas de óleo diesel em chamas estrategicamente posicionadas pelo naco criminoso de produtores rurais e extrativistas que receberam o aval do governo Bolsonaro para colocarem a floresta abaixo e ainda não largaram a missão. O resultado é o caos, doenças respiratórias, morte e mais mudança do clima.
A gestão da ministra Marina Silva vem reduzindo os números de desmatamento, como apontam os dados dos sistemas Prodes e Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Mas com uma máquina de fiscalização que foi sucateada pela gestão anterior, um Congresso Nacional jogando contra medidas que poderiam frear a devastação e um governo que não só evita peitar o naco retrógrado da produção nacional como até pressiona pela exploração de petróleo na costa do Amapá, ela e sua equipe não vão fazer milagre.
Diante de tudo isso, torna-se ainda mais grotesco que o tema praticamente não é pautado na eleição municipal.
Políticos costumam agir somente diante dos estragos causados por desastres, como se tratassem de forma paliativa um paciente desenganado. Dessa forma, mortes por inundações, como as que vemos no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, ou nos costumeiros deslizamentos de terra no Rio de Janeiro e em São Paulo, ou ainda na sede e no desespero de comunidades indígenas e ribeirinhas afetadas pela seca e o fogo na Amazônia, foram se tornando parte do calendário anual do Brasil, como o carnaval ou o reveillón.
Muitos políticos até aproveitam para encarnar a imagem de heróis nas desgraças, ignorando que foram vilões da falta de ação no resto do tempo. Além disso, como a memória das pessoas seca até as eleições, prevenção e adaptação são palavras que somem do vocabulário de gestores quando a água baixa.
Quem deseja alcançar ou manter o poder deveria ser cobrado a dizer o que planeja para evitar desastres —que, por serem mitigáveis, são naturais apenas na condescendência midiática. Hoje, esse tipo de rubrica é uma das primeiras a perder recursos no orçamento quando é necessário atender a necessidades de aliados.
Mas parte dos candidatos não faz ideia do que dizer sobre mudanças climáticas. Evitam falar de medidas que podem soar impopulares com seus públicos — como a remover famílias de áreas de risco e dizer não ao comportamento predatório de setores da agricultura, do extrativismo vegetal, da indústria petrolífera, do setor imobiliário, que trabalham sob a lógica do "o clima mudou, mas ainda dá tempo".
E, claro, há aqueles que defendem que mudanças climáticas não existem, espécie similar àquela que atesta que a Terra tem o formato de uma pizza.
Retirar a população de um local, com antecedência, e recoloca-la em outro, de forma decente e digna; melhorar uma comunidade para evitar inundações e deslizamentos; efetivar políticas de moradia que construam casas em locais fora de risco; atualizar o levantamento de áreas de risco e o desenvolvimento de protocolos de retirada; adotar sistemas de alertas decentes, emitidos dias antes são ações conhecidas que deveriam ser providenciadas pelos poderes municipal, estadual e federal.
Eventos extremos como esses não apenas vão continuar acontecendo e matando nos próximos anos, como ficarão mais frequentes. Não significa que eles não ocorreriam sem o aquecimento global, mas a frequência delas passa de séculos ou décadas para anos. Eventos que afetam a todos, mas tiram a vida principalmente dos mais pobres por viverem de forma mais precária, nos piores locais das encostas de morros ou nas várzeas e fundos de vale.
Isso precisa ser tema central de toda eleição porque diz respeito à nossa sobrevivência. Infelizmente, para uma parcela significativa do eleitorado, é irrelevante o fato de que, hoje, centenas de pessoas morrem anualmente, soterradas, afogadas ou queimadas. Também não faz diferença se, amanhã, elas podem ser milhares — inclusive elas mesmas.
Como já disse aqui, importante mesmo é os candidatos a prefeitos e vereadores prometam lutar contra o terrorismo do Hamas ou contra a autocracia de Nicolás Maduro.
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Quero receberE também combater cavaleiros templários bancados por bilionários de esquerda contra a tentativa de implantação em nossos cérebros de chips 5G chineses através de vacinas a fim de ler nossos pensamentos como forma de ajudar professores comunistas que ensinam os alunos a se tornarem gays e lésbicas. Enfim, o importante é a luta contra fantasmas.
A realidade que queima, inunda e mata? Dane-se. O povo quer se entreter com vídeo curto, a realidade só vai se impor quando faltar energia para carregar o celular.