Usina de mortos do clima vai à Espanha, mas mundo segue tarado por petróleo
É um absurdo completo que enquanto o mundo esteja vivendo um ano de eventos climáticos extremos, com mortos sendo produzidos às dezenas e refugiados ambientais aos milhares, a política, a economia e a sociedade digam que lamentam tudo isso e cantem músicas sobre o meio ambiente, mas não desistam da ampliação da exploração do petróleo. A cada barril extraído que poderia ter ficado sob o solo, ajudamos a cavar mais uma cova para nossos filhos e netos.
A questão é se muitos deles morrerão afogados, cobertos de lama, asfixiados, famintos, sedentos ou em decorrência de doenças. Digo "muitos" porque os mais ricos sempre dão um jeito no final. Pegam um foguete, por exemplo.
As mais de 70 mortes por conta das enchentes na região de Valencia, na Espanha, somam-se às mais de 180 pelas chuvas no Rio Grande do Sul. Isso sem contar aquelas que não entram no cálculo diretamente, como os 76 óbitos em decorrência de síndrome respiratória aguda grave durante a fumaça das queimadas que cobriu a cidade de São Paulo.
Não vamos conseguir atingir a meta de restringir o aumento da temperatura global a 1,5ºC em relação ao início da era industrial, como proposto pelo Acordo de Paris. Tecnicamente, seria possível, mas dependeria de outra mentalidade, de outros governantes, de outros empresários, que estamos longe de alcançar.
O Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2024, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, aponta que o mundo chegará a mais que o dobro disso, 3,1ºC, ao seguir na toada atual. Isso representa extinção em massa e uma vida dos infernos em algumas décadas.
A questão é que a maioria do mundo já admite que as mudanças climáticas são uma realidade, apenas os completos celerados (havia muitos no governo anterior...) ou os oportunistas safados ainda apelam ao negacionismo duro. Porém, estabeleceu-se um negacionismo suave, em que o problema é reconhecido, mas surge a falácia do "ainda dá tempo de salvar o planeta sem traumatizar a atual economia".
Mas não dá. As mudanças têm custos enormes que os países mais ricos enrolam seja para alterar formas de produção, seja para pagar aos mais pobres e a os locais em desenvolvimento a fim de mudar sua matriz. Entendam, fodeu mesmo.
Fim do mundo não está no Apocalipse, mas nos relatórios anuais de petrolíferas
"Cada um dos principais produtores de combustíveis fósseis do mundo está apostando em ser o último vendedor de petróleo e gás. É uma roleta-russa que pode assar o planeta ou resultar em ativos encalhados em massa", afirma Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima.
"E, embora seja óbvio que países como Estados Unidos, Noruega, Canadá e Austrália devem ser os primeiros a eliminar os combustíveis fósseis, os países da Troika [presidentes das conferências do clima da ONU de 2023 (Emirados Árabes Unidos), 2024 (Azerbaijão) e 2025 (Brasil)] precisam cumprir seu compromisso com a meta de 1,5°C e parar com a expansão agora", diz.
Para ele, deveriam guiar pelo exemplo, mas o único exemplo que estão dando é de como se esquivar da ação climática com greenwashing.
No Brasil, esse negacionismo soft aparece na política, seja ela de direita ou de esquerda, na economia e também na imprensa, quando o assunto é a prospecção de petróleo na costa amazônica do Amapá, por exemplo. Além dos riscos ambientais e sociais, há o peso de uma nova fronteira de exploração ser aberta, lançando mais carbono no ar para o efeito estufa.
A ironia é incrível: O Ministério das Minas e Energia reclama, com toda a razão, da Enel, pelas chuvas e os apagões em São Paulo, enquanto defende a perfuração de poços no Amapá - que vai ajudar a tornar mais frequente eventos climáticos extremos, como as chuvas na capital paulista.
Quem acha que uma coisa não tem a ver com outra é porque precisa se informar melhor. O fim do mundo não está no livro do Apocalipse, mas nos Relatórios Anuais de empresas como Petrobras e Shell.